NR 36

Norma dos frigoríficos é também a favor das empresas e não pode ter retrocesso, afirma MPT

Ministério Público chama a atenção para quantidade de acidentes no setor. Para juíza, o que as empresas pretendem é “evidente precarização”

ANPr/ SINDIAVIPAR
ANPr/ SINDIAVIPAR
Produtores querem flexibilizar as pausas obrigatórias

São Paulo – A Norma Regulamentadora (NR) 36, com regras de saúde e segurança no setor de frigoríficos, não é contrária às empresas, diz o procurador do Trabalho Leomar Daroncho, que manifesta preocupação com a revisão das regras, atualmente em discussão. Em audiência pública na tarde desta segunda-feira (6), promovida pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina, representantes do poder público e dos trabalhadores chamaram a atenção para o alto índice de acidentes no setor, enquanto as empresas defendem modificações no texto legal.

É uma atividade penosa, lembra o procurador, citando fatores como temperatura, ruídos, exposição a agentes químicos e biológicos, riscos de amputação – e, particularmente, o ritmo de trabalho dentro dos frigoríficos, que ele chama de “alucinante”. “A NR 36 é muito recente (de 2013), minuciosa, se demorou quase 10 anos para ser elaborada. E não é uma norma contra as empresas. É uma espécie de check list a favor das empresas”, afirma ainda Daroncho, para quem a preocupação é buscar um ambiente de trabalho sadio. Ele considera a discussão atual “inoportuna”, ainda mais em um período de pandemia.

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De acordo com o Ministério Público do Trabalho, de janeiro a 2016 a dezembro do ano passado, o setor registrou 85.123 acidentes típicos e adoecimentos ocupacionais. Foram 64 trabalhadores mortos. Mesmo com a norma, trabalhadores chegam a realizar de 70 a 90 movimentos por minuto.

Interesses internacionais

A juíza do Trabalho Patrícia Pereira de Sant´´ Anna aponta uma “evidente precarização” do trabalho nos frigoríficos, na medida em que, por exemplo, se pretende reduzir os períodos obrigatórios de pauta para aumentar o tempo de produção. Ela apontou também consequências de natureza econômica. “Esse tema transcende os interesses do país”, afirmou Patrícia, que preside a Associação dos Magistrados do Trabalho da 12ª Região, em Santa Catariana, e é diretora da Anamatra, a associação nacional dos juízes.

Na semana passada, foi realizada audiência pública na Assembleia do Paraná. Foi aprovada moção para reabrir a consulta pública sobre a revisão da NR 36. Um dos pontos que causam mais preocupação é justamente sobre as pausas “psicofisiológicas” de 60 minutos por dia, que podem ser distribuídas em seis de 10 minutos ou três de 20. O setor defende que essas pautas ocorram somente se análises ergonômicas comprovem sua necessidade. Para Daroncho, seria um claro retrocesso: “As pausas têm um custo financeiro reduzido e uma alta efetividade na redução de adoecimentos e acidentes”.

Processo democrático

Diretor da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Marcelo Osório lembrou que os frigoríficos são o único segmento industrial com essas pausas. E considerou o processo de revisão “democrático, aberto a toda a sociedade”. Ele questionou dados sobre a segurança no setor. Admitiu a subnotificação acima de 300%, mas citou outros setores com números ainda maiores, segundo o executivo. “Queremos um ambiente mais claro, mais claro, que traga segurança jurídica.”

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Pelos trabalhadores, falaram Artur Bueno de Camargo (Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins, CNTA) e Nelson Morelli (Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação, Contac-CUT), que também criticaram o momento “inadequado” do processo de revisão. O médico do Trabalho Roberto Ruiz considerou “inegociável” a questão das pausas.

Trabalhadores mutilados

A audiência conduzida pelo deputado Fabiano da Luz (PT) teve um momento mais tenso durante a intervenção de Célio Elias, diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Criciúma e região. Para ele, o que as empresas chamam de “harmonização” se traduz em retirada de direitos. Além disso, uma pretendida redução de temperatura nos locais de trabalho demonstra que “querem fazer os trabalhadores de pinguim”. O dirigente também questionou a informação de que os ônibus que conduzem empregados têm circulado com menos passageiros, por causa da pandemia, afirmando que pelo menos naquela localidade ocorre super lotação. Além disso, trabalhadores seguem sendo mutilados nas fábricas, afirmou.

O secretário-geral da União Internacional dos Trabalhadores na Alimentação (Uita), Gerardo Iglesias, também chamou a atenção para o aspecto global do debate. Segundo ele, o crescimento do desmatamento pode ser um fator prejudicial às exportações brasileiras. Ele defendeu “um grande diálogo” entre produtores, governo e trabalhadores, em torno de um setor estratégico para a economia. Dessa forma, não pode haver “desmonte” de direitos, ressaltou, apontando uma possível denúncia do que vem ocorrendo no Brasil. “A NR 36 é patrimônio do movimento sindical internacional.”