Saúde em risco

Decreto de Bolsonaro foi ‘ameaça real ao SUS’, adverte ex-diretor da Anvisa

Após investida contra UBSs, governo bate recorde de menções negativas no Twitter desde o seu início. Para Gonzalo Vecina, população percebeu que sem o SUS ‘não teria como fazer o que tem que ser feito’

Arquivo Agência Brasil
Arquivo Agência Brasil
Ataque ao SUS: governo Bolsonaro acumulou 98,5% das menções negativas no Twitter nesta quarta. Bolsonaro disse, contudo, que pode reeditar a medida

São Paulo – Para o médico infectologista Gonzalo Vecina, o decreto 10.531 do governo federal, que abria “estudos” para a possibilidade de transferir as Unidades Básicas de Saúde (UBS) à iniciativa privada, “foi uma ameaça real” de Bolsonaro ao SUS, o Sistema Único de Saúde do país. Após reação negativa do setor da saúde, da sociedade civil e de representantes da classe política, o governo de Jair Bolsonaro recuou e revogou a medida. Somente no Twitter, houve um recorde de menções negativas em relação ao governo desde o seu início. Foram 98,5% de comentários desfavoráveis feitos na plataforma sobre o tema. 

Mas, na avaliação do professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), o decreto com ameaça de Bolsonaro ao SUS “é um sinal e um sinal muito ruim”, como destaca em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual. “Temos que tomar cuidado porque foi uma ameaça real ao SUS. E nós temos que estar atentos porque o SUS hoje é um patrimônio da população brasileira e nós temos que defendê-lo”, ressalta Vecina. 

De acordo com a agência Reuters, em conversa com apoiadores na noite desta quarta-feira (28), Bolsonaro já afirmou que poderá reeditar a medida sobre as parcerias público-privadas “se houver um entendimento melhor sobre o que o governo pretende fazer”. O presidente defende que o decreto seria para a conclusão de obras inacabadas de UBSs pelo país. Mas, à RBA, especialistas sustentam que a privatização atacaria “o coração do SUS”. E ele “perderia o caráter público e a possibilidade de atendimento integral e universal”. 

Sem SUS, a barbárie

Ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária entre 1999 e 2002, Vecina concorda e lembra que o SUS é base de pelo menos 80% dos cerca de 7 mil hospitais espalhados pelo Brasil. Além de gerir 56 mil UBSs que contam com uma cobertura de 60% de estratégia da saúde da família na atenção primária. De acordo com o médico infectologista, ao menos 300 milhões de doses de vacinas são distribuídas pelo SUS. Que é também o responsável pela vigilância epidemiológica que monitora, entre outras doenças, a covid-19, e a própria Anvisa. “26% da população tem plano de saúde, mas nós fazemos 95% dos transplantes”, acrescenta. 

“Nessa crise, com a pandemia, as pessoas perceberam que sem o SUS nós teríamos uma mortalidade imensa. Não teria como fazer o que tem que ser feito. E daí houve essa vontade de defender o SUS. Não podemos deixar essa vontade morrer. Vamos fazer com que ela leve os nossos governantes a melhorar o SUS. Sem o sistema de saúde gratuito, universal, financiado por impostos públicos, nós caminhamos para a barbárie, não teremos uma civilização. Precisamos de um sistema que atenda todos, pobres e ricos, como o SUS faz”, declarou Vecina. 

Além da investida privatista, o governo Bolsonaro já anunciou um corte de R$ 35 bilhões no orçamento da Saúde para o ano que vem. Quando as entidades de saúde coletiva destacam que a verba para 2021 deve ser, no mínimo, igual a deste ano de R$ 150 bilhões. “A pandemia não acabou e vai continuar no ano que vem, infelizmente. E o que deixamos de fazer esse ano, tratamento de câncer, de doenças cardiovasculares, sobrou tudo para o que ano que vem. Então ano que vem vai ter um impacto duplo”, prevê o ex-diretor da Anvisa. 

Confira a entrevista:

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima