'Salve-se quem puder'

Governo Bolsonaro quer o fim do SUS como política universal de saúde, denuncia ex-ministro

Arthur Chioro destaca que as políticas de saúde estão em risco devido a orientação do atual governo que privilegia a iniciativa privada. Armas, agrotóxicos e mudanças no trânsito colocam ainda mais vidas em risco

Arquivo EBC
Arquivo EBC
Saúde nos marcos do liberalismo é um verdadeiro "salve-se quem puder", diz ex-ministro Chioro

São Paulo – Para o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, o atual governo ameaça o princípio de universalidade do SUS. O projeto é reduzir ao máximo a atenção básica em saúde, dirigida exclusivamente para aqueles que não podem pagar, para que todos os demais sejam induzidos a buscar atendimento no mercado. A situação crônica de subfinanciamento do sistema, agravada desde a aprovação da Emenda Constitucional 95 – que congelou por 20 anos os investimentos sociais – evolui agora para um quadro de “desfinanciamento”. Além disso, medidas tomadas em outras áreas do governo, como a farra da liberação de novos agrotóxicos, a flexibilização do acesso às armas e o fim de políticas como o Mais Médicos, agravam ainda mais a situação.

Em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quarta-feira (7), Chioro destacou o manifesto, assinado por ele e mais cinco ex-ministros da Saúde, que alerta para a necessidade de mobilização de toda a sociedade em defesa do SUS. O documento foi documento entregue nesta segunda (5) ao presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), durante a 16ª Conferência Nacional de Saúde, que termina hoje.

“A ideia desse governo é que princípios como universalidade estão fora de moda. A saúde não pode ser direito de todos. Para eles, deve ser uma política focal destinada exclusivamente àqueles mais pobres que não podem pagar. Ainda assim, oferecida da forma mais precária possível, aquilo que a gente chama de uma medicina pobre para pobres, oferecendo à sanha do mercado a possibilidade de explorar a saúde como mercadoria“, criticou o ex-ministro.

Frente ao quadro de envelhecimento da população, haverá demanda cada vez maior por políticas de “acompanhamento longitudinal” em saúde. Doenças crônico-degenerativas e outros problemas de saúde que afetam os mais velhos – câncer, diabetes, transtornos mentais – não se resolvem com a “compra” de uma só consulta, exigindo acompanhamento frequente, que, se realizado na iniciativa privada, traria um peso muito grande ao orçamento das famílias.

Ações esdrúxulas

A saúde do brasileiro é ainda colocada em risco por outras “ações esdrúxulas” tomadas pelo do governo, que contam com a omissão do atual ministro, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS). Chioro citou mudanças na legislação de trânsito, como a retirada de radares, que estimulam o abuso de velocidade, o afrouxamento das regras para o uso de cadeirinhas para crianças, e a proposta de aumentar de 20 para 40 pontos o limite para cancelamento da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), devem elevar o número e a gravidade de acidentes, sobrecarregando o SUS.

Soma-se também políticas de benefícios fiscais para a indústria do refrigerante, que deve agravar problemas relacionados à obesidade. Chioro diz que o Brasil vai na contramão do mundo, já que a maioria dos países desenvolvidos, em vez de diminuir, tem aumentado os impostos sobre esse tipo de produto. Ele também criticou mudanças na política de drogas baseada no conceito de abstinência, que pretendem beneficiar comunidades terapêuticas, esvaziando ações anteriores voltadas para a redução de danos. Até mesmo a política de prevenção ao tabagismo pode sofrer duro golpe, por conta de uma portaria do Ministério da Justiça que quer reduzir impostos do cigarro como forma de combater o contrabando do produto.

Menos Médicos

Chioro classificou o programa Médicos pelo Brasil, anunciado como substituto do Mais Médicos, como uma “verdadeira falácia”. Ele diz que a Medida Provisória que institui a nova política prevê a criação de uma agência, que deve funcionar dentro de dois anos, que prevê a compra de serviços privados para supostamente “auxiliar” os municípios na atenção básica em saúde. Segundo o ex-ministro, as críticas ao funcionamento do Mais Médicos servem para encobrir o real interesse de desmontar a política de modo a entregá-la à iniciativa privada.

Ele citou declarações recentes do secretário de Atenção Primária à Saúde do ministério, Erno Harzheim, que diz que a universalidade do sistema de Saúde, no Brasil, ficou no passado. “Ele diz claramente que a universalidade, esse negócio de saúde para todos, é coisa do século 20. Ou seja, a Constituição brasileira, que garante a saúde como um direito, é coisa do passado. Ele diz defender uma saúde nos marcos do liberalismo, o que na verdade é um ‘salve-se quem puder’. Vão garantir o mínimo para os pobres de modo a evitar a proliferação de doenças que possam afetar as demais classes, e a imensa maioria que compre saúde no mercado”.

Ouça a entrevista completa