Vergonha alheia

Voto de Mendonça por Daniel Silveira cita ‘vozes da sociedade’ acima da lei, irrita Moraes e expõe incômodo no STF

Para justificar sua posição a favor do ex-deputado bolsonarista hoje preso, “terrivelmente evangélico” citou leigos e foi repreendido por Moraes

Nelson Jr./STF
Nelson Jr./STF
Mendonça foi repreendido por fugir à regra e citar cientista político e jornalista para embasar voto a favor de Silveira

São Paulo – Durante o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do indulto concedido em 2022 por Jair Bolsonaro ao ex-deputado Daniel Silveira, ficou explícito o incômodo que os ministros indicados pelo ex-presidente vêm causando na Corte. O ministro Alexandre de Moraes demonstrou irritação com o colega André Mendonça, enquanto este proferia seu voto.

Nomeado por Bolsonaro na condição de “terrivelmente evangélico” que o ex-presidente sempre prometeu para o STF, Mendonça abriu divergência ao voto da relatora, Rosa Weber, que se posicionou pela anulação do benefício ao bolsonarista hoje preso em Bangu 8 (Rio).

“Após o julgamento do Supremo surgiram vozes na sociedade dizendo que a pena (a Daniel Silveira) teria sido excessiva”, afirmou Mendonça enquanto proferia o voto. “Eu cito nesse sentido entrevista dada ao jornal O Estado de S. Paulo por Fernando Abrucio em matéria publicada no dia 28 de abril de 2022. Diz a chamada da matéria: pena de Silveira foi um pouco exagerada. E Congresso não deu suporte ao STF, diz pesquisador”, continuou Mendonça. Deu-se então o seguinte diálogo:

– Permite, ministro André? – atalhou o ministro Alexandre de Moraes, de quem partiu a ordem para prender Daniel Silveira.
– Permito.
– O Abrucio é jurista?
– Não, é cientista social…
– Ah, não? Só pra que conste nos anais.
– Mas cito também o Fernando Capez, no Consultor Jurídico, que foi colega de vossa excelência…
– E à época candidato a deputado, pelo partido do presidente – alfinetou Moraes.

Fernando Capez foi candidato a deputado federal pelo União Brasil, legenda que é a fusão do DEM e PSL, partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu em 2018.

Condenado

Silveira foi condenado pelo STF, em abril do ano passado, a 8 anos e 9 meses de prisão por ameaça ao Estado democrático de direito e coação no curso do processo. No julgamento, Mendonça defendeu pena de prisão de 2 anos e 4 meses em regime aberto.

A divergência aberta por Mendonça ontem, no julgamento do indulto, foi seguida pelo outro ministro do STF indicado por Bolsonaro, Nunes Marques. “São os votos adjuntos”, ironizou à RBA uma fonte do STF após ambos votarem.

Maioria formada

O julgamento do indulto ao ex-deputado foi suspenso após o STF formar maioria de 6 votos a 2 contra o benefício presidencial ao aliado. Votaram pela inconstucionalidade do perdão bolsonarista os ministros Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

Em seu voto, Moraes destacou que a medida de Bolsonaro a favor de Silveira demonstrou “total desvio de finalidade, (e) não era, como exige a Constituição, para o interesse público; o indulto era um ataque direto e frontal ao Poder Judiciário”.

A presidente do tribunal, Rosa Weber, retoma o julgamento na semana que vem para colher  os votos dos ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux, que devem seguir a maioria e fechar o placar em 8 a 2.