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Pacote de Moro comete equívocos antigos, diz ex-ministro da Segurança Pública

Raul Jungmann aponta o agravamento do encarceramento em massa como um dos efeitos das medidas. Para ele, sem mudanças no Congresso, proposta não será efetiva no combate às organizações criminosas

Antonio Cruz/EBC

Entre os pontos contestados, Jungmann destaca o excludente de ilicitude e a prisão em flagrante

São Paulo – Ao ampliar o encarceramento em massa, o pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro agrava uma situação que já é ruim. A ponderação é do ex-ministro extraordinário da Segurança Pública no governo de Michel Temer, Raul Jungmann. Segundo ele, o aumento constante da população nos sistemas prisionais, a despeito das políticas pensadas por diferentes gestões federais, vem sendo aproveitado pelas facções para garantir a expansão do crime organizado. Nesse sentido, o conjunto de medidas apresentadas em fevereiro pelo atual ministro da pasta carrega os mesmo equívocos cometidos anteriormente.

“Ela traz exatamente o que se encontra nas outras (propostas)”, afirma Jungmann. “Como vamos resolver isso aqui? Quando é que vamos entender isso para poder encarar essa questão?”, questiona o ex-ministro, apontando para dados expostos durante debate sobre formas de enfrentar as organizações criminosas, nesta quarta-feira (15), em São Paulo, que confirmam o crescimento desses grupos.

De acordo com Jungmann, há pelo menos 70 facções em todo o país com o poder de controlar territórios, gerenciar recursos financeiros e comercializar drogas e armas em ampla escala, ao mesmo tempo em que há um crescimento da taxa prisional de 8,3% ao ano, posicionando o Brasil como a terceira nação que mais encarcera no mundo, atrás somente dos Estados Unidos e China. “Essa é a nossa grande dificuldade”, sintetiza.

As próprias ações de Jungmann como ministro, no entanto, foram questionadas por diversos especialistas da área de segurança pública. Ele esteve à frente da chamada intervenção federal no Rio de Janeiro, em 2018, que não teve os resultados práticos na redução da violência no estado. Segundo balanço do Observatório da Intervenção, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC/Ucam), junto com mais de 20 entidades da sociedade civil, os resultados foram “pífios”.

Ainda assim, sua análise em torno das políticas pensadas sobre a segurança pública confirmam um debate que, segundo ele, tem de ser ancorado sobretudo “na rua e na porta do sistema prisional”. Do contrário, fortalece-se a visão “repressiva” na sociedade. “Não se faz a relação que a violência que se quer derrotar está dentro dos presídios”, reflete.  

Apontando a correlação entre facções e o alto número de prisões no Brasil à RBA, Jungmann avalia que há pontos que precisam ser modificados no pacote anticrime, entre eles o que permite à autoridade policial decidir sobre a prisão em flagrante, contestado por reduzir o papel dos juízes, segundo ele. “Tem que se manter a autoridade do juiz sobre a modulação da pena, cabe a ele fazer a execução penal”, defende.

O ex-ministro também faz críticas ao excludente de ilicitude que, na prática, reduz ou pode até isentar o agente de segurança que matou em serviço do cumprimento de pena, considerado por especialistas como uma “licença para matar”.

Em contraponto, Jungmann aposta em políticas sociais voltadas aos jovens das periferias, na garantia de práticas de ressocialização e no fortalecimento o papel da União na proposição de políticas de segurança pública e combate às facções. “Senão, não tem jogo”, diz.

Agora em tramitação no Legislativo, a expectativa de Jungmann sobre o pacote anticrime é que seja feito um debate no sentido de melhorar tais medidas. “Será preciso fazer negociações e disso a gente espera que surja o melhor resultado. Também é importante que se tenha essa preocupação quanto a um (populismo penal), que precisa ser melhorado e mitigado pelo próprio Congresso”, observa.

“Todas a evidências apontam que mais armas, mais mortes”

O decreto 9.785/2019 do presidente Jair Bolsonaro, que amplia as possibilidades e categorias para porte de armas e no acesso à munição, não é poupado de críticas por diversas entidades e representantes não só do campo da esquerda, mas também de outros espectros políticos, como confirma Jungmann ao rejeitar a medida do governo.

Presidente da Frente Parlamentar pelo Controle de Armas que visava limitar a quantidades de armamentos de fogo em circulação no país durante a promoção do Estatuto do Desarmamento, Jungmann analisa haver hoje uma “onda de ódio, ambição”, anulando a importância do estatuto e das evidências confirmando que a “arma é um vetor efetivamente de morte e de violência, isso é indiscutível, e há que se ter um controle por parte do Estado”.

“O Estatuto do Desarmamento elenca as categorias que podem ter e diz o seguinte: o porte está proibido. Porém, se alguém comprovar efetiva necessidade, poderá reivindicar. Ele (Bolsonaro) estendeu as categorias e, obviamente, não é esse o espírito da lei”, contesta.

Para Jungmann, a flexibilização do estatuto está sendo feita de forma “profundamente emocional, onde a penetração da racionalidade é reprimida”, atendendo o sujeito que se sente inseguro e desprotegido pelo Estado. “Só que isso é um raciocínio individual”, rebate o ex-ministro.