Por que mudou?

Moro agora diz que caixa 2 não é grave. Para juízes, pacote anticrime é inaceitável

Em 2017, ex-juiz Sérgio Moro declarou que 'caixa 2 é pior do que corrupção'. Agora ministro, afirma ter aceitado sugestões de que a prática 'não tem a mesma gravidade de corrupção'

J.Batista/Câmara dos Deputados

Junto com ministros, ministro Moro entregou o “pacote” ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia

São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro assinou na manhã de hoje (19), em solenidade no Palácio do Planalto, o Projeto de Lei Anticrime. À tarde desta terça-feira, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, entregou o “pacote” ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM). Moro foi ao Congresso junto com os ministros da Casa Civil (Onyx Lorenzoni), da Economia (Paulo Guedes), da Secretaria de Governo (general Alberto dos Santos Cruz), entre outros. Segundo ele, para demonstrar que o governo está unido.

O principal destaque da fala de Moro na mídia e redes sociais foi a questão do caixa 2. O ministro afirmou que “houve uma reclamação por parte de alguns agentes políticos de que é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que corrupção, que crime organizado e crimes violentos”. Por isso, justificou, a opção foi “colocar a criminalização (do caixa 2) num projeto à parte, mas que está sendo encaminhado ao mesmo momento”.

No Twitter, o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, por exemplo, lembrou que, em 2017, Moro declarou que “caixa 2 é pior do que corrupção”, e, agora, afirma ter aceitado sugestões de que “caixa 2 não tem a mesma gravidade de corrupção”. “‏E então, ministro, o que mudou sua convicção? Seria talvez o laranjal do novo chefe?”, questiona.

Na mesma rede, o juiz de Direito Marcelo Semer, de São Paulo, escreveu: “Caixa 2 era pior que corrupção; agora é menor que corrupção. Vale tudo pra tentar emplacar o pacote. Fisiologia e demagogia. É tosco, mas infelizmente letal”.

O deputado federal Ivan Valente indagou: “O que mudou?”, para responder em seguida:  “Um Onyx Lorenzoni (réu confesso) junto com um monte de outros Onyxs. Não se fala em corda em casa de enforcado.”

Até o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se manifestou no Twitter. Ele reproduziu matéria da Folha de S.Paulo intitulada “Bolsonaro fatia pacote, e Moro diz que caixa 2 não tem gravidade de corrupção”. Depois, o ex-chefe da PGR tuitou: “Hein???????????” Para o jornalista Luiz Nassif, Moro “cede a Bolsonaro e retira caixa 2 do projeto anticrime”.

Em seu site no Brasil, o jornal alemão Deutsche Welle (DW) abordou a questão afirmando que o governo separou o tema caixa 2 de seu pacote “temendo rejeição no Congresso”.

“O governo está ouvindo os parlamentares e está atendendo o que são reclamações razoáveis”, justificou o ministro da Justiça, ainda no Palácio do Planalto, antes de ir ao Congresso.

Em nota, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) se manifestou duramente contra o projeto. “É inaceitável que um projeto que se autodenomina anticrime tenha como um de seus principais pilares o aumento das hipóteses de excludente de ilicitude, especialmente para os casos de homicídios por agentes de segurança”.

A entidade, entre vários outros pontos, critica que “o projeto aposta suas fichas em mais encarceramento, sem qualquer prévio estudo de sua viabilidade e de seu impacto social e financeiro” (leia a íntegra da nota da AJD).

O pacote foi dividido, ou “fatiado”, em três projetos. Um projeto de lei para tratar de mudanças nas regras de legítima defesa e prisão após condenação em segunda instância. Outro, sobre a criminalização de caixa 2. E, finalmente, um projeto de lei complementar mudando a legislação eleitoral. Serão modificados Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execução Penal, Lei de Crimes Hediondos e Código Eleitoral.

Legítima defesa

O projeto que trata da legítima defesa determina que um juiz poderá reduzir a pena até a metade ou mesmo deixar de aplicá-la “se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Mais cedo, na cerimônia de assinatura do pacote, Moro afirmou sobre o tema: “Nós apenas extraímos do conceito de legítima defesa situações que a elas são pertinentes. Não existe nenhuma licença para matar. Quem afirma isso está equivocado, não leu o projeto. É um projeto consistente com o império da lei, em respeito aos direitos fundamentais.”

Não é o que pensam inúmeros juristas. “Além do projeto ser terrível e equivocado como política criminal, é tecnicamente fraco e mal redigido. Se fosse feito por um aluno meu, estaria reprovado”, afirmou o criminalista Leonardo Yarochewsky, por exemplo, há duas semanas, antes do pacote ser detalhado.

A opinião do ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro é de que o chamado pacote anticrime de Moro equivale a uma “política do bangue-bangue“.

Na semana passada, à Rádio Brasil Atual, Pinheiro disse que o pacote de Moro é “escandaloso”. A proposta garante “a impunidade das execuções extrajudiciais da polícia.”

Leia também

Últimas notícias