Final

Lula fala em reconstrução e harmonia. Bolsonaro, em drogas e ‘bandeira vermelha’

Debate termina com ex-presidente mais conciliatório e o atual carregando na questão ideológica. Lula responsabilizou Bolsonaro por boa parte das mortes na pandemia

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Momento tenso durante o debate da Globo: 'Fica aqui, rapaz', diz Bolsonaro. 'Não quero ficar perto de você', reage Lula

São Paulo – O último debate entre os candidatos à Presidência da República, na TV Globo, terminou às 23h50 desta sexta-feira (28) após pouco mais de duas horas de falas muitas vezes ásperas, especialmente do candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL). Nas considerações finais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) falou em reconstrução e harmonia, enquanto o adversário disse ter governado “num dos momentos mais difíceis da humanidade”, mas esperava conquistar novo mandato – falou “de deputado federal”, corrigindo-se em seguida. Mais uma vez, tentou ideologizar a discussão, citando temas como família, aborto e drogas, e contrapondo o verde-amarelo com o vermelho.

Saúde e pandemia dominaram o terceiro bloco do debate presidencial, com perguntas livres entre os candidatos, a exemplo do primeiro. Logo de início, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil tem 3% da população mundial, mas concentrou 11% dos casos de covid-19. E quis saber porque o presidente Jair Bolsonaro negou a doença, escondeu o próprio cartão de vacinação e cortou recursos do programa Farmácia Popular.

Bolsonaro disse que o país comprou vacinas tão logo foi autorizado e afirmou que o Brasil é “referência” mundial na pandemia. Desviou o assunto para “estádios superfaturados” para a Copa do Mundo. Lula reagiu dizendo que o atual presidente tenta enganar a opinião pública. E atribuiu a ele a responsabilidade por pelo menos metade das mortes pela covid-19. “Um dia vai bater na consciência dele.”

Viagra e Mais Médicos

O petista também perguntou sobre a compra de Viagra para as Forças Armadas. Bolsonaro falou que o assunto era uma “conversinha” e disse que era para tratamento de doenças. Ao que o ex-presidente retorquiu, questionando por que, então, o governo não comprou para toda a população.

Enquanto Lula dizia que faltou “humanismo” ao presidente da República em relação às vítimas, Bolsonaro mudou o assunto para o programa Mais Médicos, buscando “ideologizar” o debate, afirmando que a finalidade era dar dinheiro a Cuba. O ex-presidente defendeu o programa, sustentando que pela primeira vez muitos municípios tiveram um médico para atender a população. E aproveitou para ressaltar o papel do Sistema Único de Saúde na pandemia. “Graças a Deus a gente tem o SUS, do qual ele tira dinheiro. Se não fosse o SUS, teria morrido muito mais gente”, disse Lula.

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Complexo do Alemão

Na sequência, Bolsonaro voltou a acusar Lula, sem comprovação, de ter ido ao Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, para visitar “os chefões do narcotráfico”. O ex-presidente afirmou ser o único com “coragem moral” para ir à comunidade e tratar a população com respeito, recebendo o mesmo tratamento. Também defendeu política de desarmamento, argumentando que o atual governo está, na verdade, municiando o crime organizado.

A conversa voltou para o ex-deputado Roberto Jefferson, de quem o atual presidente procurou se desvencilhar. “Quem atira em policial é bandido. (…) Não tenho nenhuma amizade com ele”, afirmou Bolsonaro. Em resposta, Lula falou em farsa, lembrando que o governo determinou inclusive a ida do ministro da Justiça para cuidar do caso. “Se fosse um negro de uma favela, você tinha mandado matar”, acusou. “Você não pode ter duas personalidades, cara, tenha uma só.”

O petista também questionou o presidente sobre cortes de recursos nos programas de combate à violência contra a mulher. Ele respondeu que a quantidade de feminicídios diminuiu e que seu governo trata as mulheres com respeito. As pesquisas de intenção de voto mostram preferência do eleitorado feminino por Lula.

Ao final do bloco, Bolsonaro disse que seu governo não tem corrupção, ao que Lula respondeu citando diversos decretos de sigilo e afirmando que esses assuntos ainda virão à tona. “Você (dirigindo-se ao atual presidente) deveria ter se preparado para discutir o Brasil, você deveria ter um programa de desenvolvimento.”

Emprego

No quarto bloco, novamente com assuntos pré-determinados, Bolsonaro começou escolhendo “criação de empregos”. Disse que, mesmo com a pandemia, o Brasil vem criando em média 250 mil empregos mensais. Lula desmistificou os números apresentados pelo presidente. “No meu tempo, a medição de emprego era carteira profissional assinada. Agora não. Agora eles inventaram, colocam o trabalho eventual, o informal, o MEI. Quero saber de emprego registrado, com carteira assinada”, contestou.

O ex-presidente aproveitou para dizer que em janeiro pretende se reunir com governadores para estabelecer obras prioritárias em cada estado, como forma de estimular a criação de empregos, restabelecendo relação harmoniosa e cooperativa com entre os entes federativos. “Vi o presidente Bolsonaro em Teófilo Otoni (MG), com o governador (Romeu) Zema, para encontrar com prefeitos, e os prefeitos não apareceram. Sabe por quê? Porque os prefeitos do Brasil sabem que nunca antes na história do Brasil um presidente tratou eles com a dignidade e o respeito que eu tratei.”

Voltando ao tema do emprego, Lula destacou que, durante os seus governos, o país criou 22 milhões de empregos com carteira assinada. “E a gente não contava bico, biscate.” Por outro lado, disse que vai fortalecer o financiamento para micro e pequenos empreendedores. Afirmou também que vai rediscutir a legislação trabalhista, principalmente para garantir seguridade social aos trabalhadores informais. E reafirmou que vai isentar de Imposto de Renda os trabalhadores que recebem até R$ 5 mil por mês.

Em resposta, Bolsonaro afirmou que a economia está pronta para “decolar”. E citou a crise de 2015 e 2016, quando houve aumento na taxa de desemprego. Lula contra-atacou, ressaltando novamente que o atual governo não concedeu reajuste real ao salário mínimo, tema que dominou a primeira parte do debate.

Meio ambiente

Na sua vez, Lula escolheu tratar das questões ambientais. “Até quando o senhor vai continuar a política de desmate nos biomas brasileiros, sobretudo na Amazônia?”, questionou. Assim como no debate anterior, Bolsonaro voltou a apresentar números sobre que comprovariam a redução do desmatamento durante o seu governo. No entanto, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que, durante o governo Lula, a taxa de desmatamento saiu de 25.396 quilômetros quadrados, em 2003, para 7 mil em 2010. No governo Bolsonaro, por outro lado, o desmatamento aumentou de 10.851 quilômetros quadrado, em 2019, para 13.038 no ano passado.

“O candidato sabe que nós reduzimos o desmatamento na Amazônia em quase 80%. Evitamos lançar na atmosfera 5 bilhões de toneladas de CO2. No nosso governo, 1.500 madeireiras clandestinas foram fechadas, enquanto você tinha um ministro vendendo (madeira ilegal).”

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Bolsonaro voltou a apontar números distorcidos. “Sabe qual é a minha sorte? É que o povo sabe. Os especialistas sabem, o pessoal que cuida do mundo ambiental sabe, a diferença entre o meu governo e o dele. Portanto não vou ficar discutindo números invisíveis que ele traz, que eu nem sei qual é a fonte”, rebateu Lula.

Perto do fim, Bolsonaro ainda destacou futuros projetos voltados para aumentar a produção de energias renováveis. “Tudo o que ele quer fazer, nós já colocamos em prática. O que você precisa aprender é que nós vamos fazer muito mais coisa. O país vai voltar a crescer e distribuir renda. As pessoas vão voltar a comer carne. As pessoas vão poder ir no supermercado e comprar comida, coisa que não consegue hoje. É isso que você tem que reparar”, disse o ex-presidente Lula.