clima de decisão

Bolsonaro xinga Lula, que ganha direito de resposta. Salário mínimo é protagonista no início do debate

“Tenho idoneidade, você não tem”, disse o ex-presidente ao atual no início do debate promovido pela TV Globo. Até Bonner pediu “direito de resposta”

Rede Globo/Reprodução
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Lula resgatou discurso de Bolsonaro defendendo a "pílula do aborto", desestabilizando ainda mais o adversário durante o debate

São Paulo – O início do último debate entre os dois candidatos à Presidência da República, às 21h30 desta sexta-feira (28), no Rio de Janeiro, foi nervoso. E fez com que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhasse um direito de resposta, dos sete que pediu. O presidente Jair Bolsonaro chamou seu adversário de “ladrão” e “mentiroso”. Agressivo, fez insinuação ao próprio mediador, William Bonner, dizendo que ele poderia ser indicado por Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF). Isso fez com que ao final do primeiro bloco o próprio Bonner pedisse a palavra para responder que, como jornalista, não diz “coisas da minha cabeça”. Assim, ele de fato falou no Jornal Nacional que Lula não deve nada à Justiça, mas com base, reiterou, em decisões fundamentadas do próprio STF. Ainda nesse bloco, o apresentador pediu duas vezes à plateia que mantivesse silêncio.

Este último debate antes do segundo turno foi transmitido nos canais abertos da TV Globo e também via g1, GloboNews e Globoplay. E dividido em quatro blocos, alternando temas livres e escolhidos pela organização. Haverá um quinto bloco dedicado às considerações finais – com 1 minuto e meio para cada candidato.

“Prometer é fácil”

Primeiro a falar, o atual presidente começou na defensiva, negando “congelamento” do salário mínimo e anunciando um valor de R$ 1.400 para o ano que vem. “A verdade nua e crua é que o salário mínimo está menor do que quando ele entrou. Agora, é muito fácil chegar perto das eleições e prometer”, reagiu Lula. “O povo sabe. Não houve aumento do salário mínimo. Houve apenas uma reposição inflacionária”, acrescentou, lembrando que o piso não teve ganho real. Ele também cobrou o atual presidente sobre outras promessas não cumpridas, como a da correção da tabela do Imposto de Renda.

Bolsonaro disse que nunca a economia esteve tão bem. Quando questionado, justificou-se com a pandemia. Falou dos R$ 600 do auxílio emergencial, mas Lula lembrou que o governo pretendia pagar apenas R$ 200. Questionado sobre um suposto “valor baixo” da Bolsa Família, o ex-presidente disse que o programa fazia parte de um conjunto de políticas públicas de distribuição de renda.

O pistoleiro do presidente

O atual presidente chegou a chamar Lula de “bandido”. O petista disse que Bolsonaro tentou esconder Roberto Jefferson, “o pistoleiro dele”. E perguntou sobre política externa, afirmando que no atual o governo o Brasil virou pária internacional. “Que Brasil ele (Bolsonaro) quer construir?”, questionou.

Sobre o xingamento, Lula disse ter sido julgado “por um juiz mentiroso” e inocentado. “Sou um cidadão idôneo. Se prepare (dirigindo-se a Bolsonaro), o povo sabe quem é que roubou. Eu tenho idoneidade, você não tem.”

“600 reais não bastam”

No segundo bloco, os candidatos debateram temas pré-definidos, expostos num painel. Lula começou questionando Bolsonaro sobre o combate à pobreza no Brasil. Citou reportagem da Folha de S.Paulo que aponta que 24 milhões de pessoas não têm o suficiente para comer. “Por que o povo ficou tão miserável depois que você assumiu a Presidência?” Bolsonaro voltou a acusar a pandemia pelo seu fracasso no combate à pobreza. E apontou o Auxílio Brasil como a solução para todos os problemas. Lula então atacou a “reforma” da Previdência, aprovada no início do governo Bolsonaro, que reduziu benefícios de aposentados e pensionistas.

“Se ele não sabe responder, vou dar uma dica: vocês fizeram uma reforma da Previdência em 2019. Reduziram a quantidade de dinheiro que as pessoas recebem, aumentaram o tempo para as mulheres se aposentarem. Se o Guedes (o ministro Paulo Guedes, da Economia) não te falou, liga para ele. O aposentado também está passando fome, porque não teve aumento do salário mínimo”, insistiu o ex-presidente. Bolsonaro defendeu as reformas do seu governo, que teriam levado o país ao caminho da “prosperidade”, segundo ele. “Prosperidade para quem? Talvez para a família Bolsonaro. Comprar 51 imóveis com 26 milhões em dinheiro, aí sim é prosperidade. Porque o povo não está conseguindo comprar carne”, rebateu Lula.

Constituição

Na vez de Bolsonaro, ele escolheu abordar o respeito à Constituição como tema. Nesse sentido, acusou Lula de defender invasões de propriedade, no campo e nas cidades. O ex-presidente reagiu, afirmando que seu adversário não respeita a Constituição. “Ele vive todo santo dia ameaçando o ministro da Suprema Corte. Ofende todas as pessoas. Faz tudo o que um presidente não pode fazer.”

Bolsonaro então citou a suposta censura à rádio Jovem Pan. “A Jovem Pan por acaso é aquele seu canal de televisão? O que os advogados da minha campanha entraram foi com um pedido de isonomia (igualdade de tratamento).”

Acuado, Bolsonaro foi ficando cada vez mais agressivo. Chamou Lula de chefe de quadrilha, quando o processo relativo ao suposto “quadrilhão do PT” foi arquivado, por falta de provas. “De organização criminosa, ele sabe quem é o chefe. Ele vive a ofender as pessoas, a ofender todo mundo. Você não tem respeito pela Constituição”, rebateu Lula.

Voltando ao tema da propriedade, o ex-presidente destacou que o seu governo liberou 51 milhões de hectares de terra para a reforma agrária, que beneficiaram principalmente agricultores familiares. “Essa gente fez um bem para o Brasil. Essa gente está produzindo muito, e vão produzir muito mais.” Bolsonaro, por outro lado, citou que concedeu mais de 420 mil títulos de propriedade aos assentados. O presidente, no entanto, não disse que 88% desses títulos são provisórios.

Aborto

Ainda tratando do respeito à Constituição, Lula leu discurso que Bolsonaro, então deputado federal, fez na Câmara, em 1992. “Não adianta uma multidão de brasileiros subnutridos sem condições de servir ao seu país”, foram as palavras do então parlamentar. “Conclui o então deputado que seja distribuído pílulas de aborto”, acrescentou o petista.

Nesse momento, Bolsonaro se enfureceu. Disse que estava defendendo a “pílula do dia seguinte”, e não a pílula abortiva. E partiu para o ataque tentando pregar em Lula a pecha de “abortista”. “Sou contra o aborto e minha mulher é contra o aborto. Respeito a vida, tenho cinco filhos, oito netos e uma bisneta. Portanto, se quiser jogar a culpa do aborto em alguém, jogue em você mesmo. Em mim não cola.”

Desestabilizado pela provocação de Lula, Bolsonaro foi além. “Você é abortista, favorável à liberação das drogas. E o que é mais grave, você é a favor da ideologia de gênero. Não pensa no futuro das crianças?”. Lula, então, classificou o comportamento de Bolsonaro de “insano”. E prometeu, a partir do próximo bloco, discutir propostas que interessam ao desenvolvimento do país.

Ao final do bloco, Lula ainda obteve um direito de resposta. Assim, voltou a denunciar os prejuízos causados aos aposentados e pensionistas pela “reforma” aprovada no atual governo. Além disso, cobrou respeito do seu adversário. “Ele deveria responder com o mínimo de tranquilidade ao aposentado e ao pensionista, e não ficar gritando, berrando, como se estivesse em casa. É preciso ter respeito, se comporte como presidente da República. Tenha o mínimo de postura.”