Contra a guerra

Lula: ato do Hamas foi ‘terrorista’, mas reação de Israel é ‘insanidade’

Presidente ainda classificou como “loucura” o direito de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. “Alguém tem que falar em paz”

Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
"Eu estou percebendo que Israel parece que quer ocupar a Faixa de Gaza e expulsar os palestinos de lá. Isso não é correto, não é justo"

São Paulo – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou nesta sexta-feira (27) a reação desproporcional de Israel aos ataques do Hamas no início do mês. Já são 20 dias de constantes bombardeios à Faixa de Gaza pelas tropas israelenses, que recentemente vem ampliando também as operações por terra. Em café da manhã com jornalistas, Lula afirmou que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, quer “acabar” com a Faixa de Gaza. Disse que a posição do Brasil em relação à guerra é “a mais clara possível”. E classificou como “loucura” o direito de veto dos cinco países – Estados Unidos, Rússia, China, França e Inglaterra – que ocupam assento permanente no Conselho de Segurança do ONU.

“Dissemos que o ato do Hamas foi terrorista. Dissemos em alto e bom som que não é possível fazer um ataque, matar inocentes, sequestrar gente da forma que fizeram, sem medir as consequências”, disse. “Agora temos a insanidade também do primeiro-ministro de Israel, querendo acabar com a Faixa de Gaza, se esquecendo de que lá não tem só soldado do Hamas. Tem mulheres, crianças, que são as grandes vítimas dessa guerra.”

Por outro lado, Lula reafirmou a posição histórica do Brasil de apenas classificar como terroristas os grupos que a ONU assim definir. “E o Hamas não é reconhecido pelo Conselho de Segurança da ONU como uma organização terrorista. Porque ele disputou eleições da Faixa de Gaza e ganhou”.

Ao mesmo tempo, o presidente criticou o veto dos Estados Unidos à resolução do Brasil que pedia cessar-fogo e a abertura de um corredor humanitário na Faixa de Gaza. “A posição foi vetada por causa dessa loucura que é o direito de veto concedido aos cinco titulares do Conselho de Segurança da ONU. Sou totalmente contra, isso não é democrático”, afirmou Lula. “Alguém tem que falar em paz”.

Lula nega GLO no Rio

Durante a entrevista, Lula afirmou que, enquanto for presidente, não vai assinar decretos de “garantia da lei e da ordem” (GLO). Nesse sentido, disse que não quer militares das Forças Armadas nas favelas “brigando com bandido”. “Não é papel das Forças Armadas ficar nas favelas brigando com bandido. Não quero as Forças Armadas nas favelas brigando com bandido. Enquanto eu for presidente, não tem GLO”.

Como resposta à crise de segurança no Rio de Janeiro, o presidente disse que pretende usar as Forças Armadas apenas pontualmente. “O que eu determinei é que a Aeronáutica pode reforçar o policiamento nos aeroportos; a Marinha, nos portos brasileiros”. Disse ainda que a Polícia Federal (PF) também vai ajudar, atuando na inteligência contra as organizações criminosas.

Desse modo, Lula criticou o ex-presidente Jair Bolsonaro pela politização das Forças Armadas. “O que aconteceu com o 8 de janeiro foi um desvio, pela existência de um governante que sabia fazer tudo, menos governar, que achava que poderia utilizar as instituições como instrumento dele para fazer política. Não tinha nada de republicano na cabeça dele”.

Economia: “mercado é ganancioso demais”

Além disso, Lula afirmou que “dificilmente” o governo cumprirá a meta de zerar o déficit primário (resultado das contas do governo sem os juros da dívida pública) em 2024. Isso porque ele não pretende realizar cortes em investimentos em obras. Nesse sentido, disse que é praticamente irrelevante se as contas públicas fecharem o ano que vem com déficit de até 0,5%.

“Tudo que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal a gente vai cumprir. O que eu posso dizer é que ela não precisa ser zero, o país não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias para esse país. Eu acho que muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida”, disse o presidente. “E se o Brasil tiver déficit de 0,5%, de 0,25%, o que é? Nada”, acrescentou Lula.

Lula afirmou que está otimista com a economia e espera um crescimento do PIB em 3% ou mais em 2023. Para 2024, segundo ele, apesar de ser um “ano difícil” para economia mundial, o governo está trabalhando para que os problemas não se proliferem internamente.

“Nós sabemos que o ano que vem se apresenta como um ano difícil por conta da queda do investimento da China, a queda do crescimento da China, do aumento da taxa de juros americana”, disse. “Não vamos ficar parados esperando que notícias ruins aconteçam, vamos trabalhar para as coisas melhorarem”, acrescentou.

Mulheres abatidas pelo Centrão

Lula ainda lamentou a redução das mulheres no primeiro escalão do governo. Nesse sentido, duas ministras já deixaram o cargo – Daniela Carneiro (Turismo) e Ana Moser (Esporte) –, substituídas por homens indicados pelos partidos do chamado Centrão. Nesta semana, foi a vez da presidenta da Caixa Econômica Federal, Maria Rita Serrano, também substituída por um indicado do Centrão.

“Eu lamento profundamente não poder indicar mais mulheres do que homens no governo. Acontece, que quando você estabelece uma aliança com um partido político, nem sempre esse partido tem uma mulher para indicar”, justificou. “Mas isso não quer dizer que eu não possa tirar homens e colocar mulheres. Ainda posso trocar muita gente”.