Debate na Band

Haddad: ‘Infraestrutura não é só asfalto. É hospital, escola, universidade’

Haddad cola Tarcísio a erros de Bolsonaro, discute modelo econômico, papel do Estado, pobre no orçamento versus controle do mercado e trata Lula como futuro presidente

Reprodução/Band
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"Vai trazer pra cá o sigilo de 100 anos? Se continuar o desmatamento da Amazônia, não sei se a gente vai abrir esse sigilo. Para que isso? Isso é republicano? Para quê? Qual é?"

São Paulo – No primeiro debate do segundo turno da disputa pelo governo de São Paulo, na noite desta segunda-feira (11), na Band, os candidatos Fernando Haddad (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) demarcaram diferenças de propostas, modo de governar e de modelo econômico que defendem no estado. Tarcísio começou nacionalizando o confronto, nos três blocos seguintes, e se viu empurrado às cordas e obrigado a explicar erros do governo de Jair Bolsonaro (PL).

De saída, o candidato de Bolsonaro questionou Haddad se ele manteria a redução do ICMS que “reduziu” os preços dos combustíveis. O candidato de Lula rebateu que o governo federal passou quatro anos “espoliando e resolve fazer caridade com chapéu alheio às vésperas das eleições”, pois prometeu alternativas para compensar perdas de receitas dos estados, mas não cumpriu.

“Mas vou lutar por mais. Vou lutar para que o presidente Lula, empossado presidente, enfrente o lobby dos acionistas estrangeiros da Petrobras. Eles não podem ter mais de 100 bilhões de reais de lucro às custas do consumidor brasileiro.” Desse modo, expôs a política de preços que elevou os preços dos combustíveis. E abriu o debate expondo não só diferenças entre ambos, mas também entre Lula e Bolsonaro.

De um lado, Haddad demonstrou ter programa de governo com políticas claras em áreas como saúde, educação, transporte público e segurança. Também defendeu o seu legado à frente da prefeitura de São Paulo – deixei um “cheque de cinco anos de orçamentos para os sucessores”. E destacou sua participação nas gestões petistas – inclusive citando o ProUni como modelo de Participação Público Privada (PPP).

Sem preconceito com setor privado

Com o assunto, conseguiu explicar não haver preconceito em se relacionar com o setor privado para desenvolver políticas públicas. E ainda deu crédito à sua mulher, Ana Estela Haddad, na concepção do programa que permitiu a inclusão de 3,4 milhões de alunos de escolas públicas no ensino superior particular.

“Eu fiz o ProUni com a minha esposa, que está aqui inclusive, me acompanhando. Minha companheira. Lula pôs o projeto debaixo do braço.”

Com desenvoltura, Haddad conseguiu colar no adversário malfeitos do governo Bolsonaro, como o descalabro na pandemia, a devastação ambiental, a política armamentista, o orçamento secreto, o sigilo de 100 anos para assuntos espinhosos. “Nada disso é republicano”, disse, ironizando o nome do partido de Tarcísio.

Do outro lado, Tarcísio se apresentou como um “tecnocrata”, com respostas superficiais para problemas complexos. E apresentou supostos feitos no Ministério da Infraestrutura do atual governo. Haddad rebateu. Disse que “ninguém encontra” as tais obras do candidato. E destacou que Bolsonaro até hoje “festeja” a transposição do Rio Francisco – que ele pegou com 95% das obras concluídas – para mostrar algum feito relevante.

“Você fala como se infraestrutura fosse apenas asfalto. Infraestrutura é hospital. É hospital dia, é UPA, é UBS. É CEU, é escola, é Instituto Federal, é universidade. Isso tudo é infraestrutura, de cultura e de lazer”, disse Haddad. Ele também criticou os governos federal e estadual por ficarem de “braços cruzados” durante a pandemia.

Nesse sentido, em muitos momentos, o debate estadual reproduziu a disputa nacional, com projetos antagônicos. No mano a mano, o debate transcorreu dentro da normalidade, e as críticas entre os candidatos foram duras, mas sem hostilidade de parte a parte. Mais desenvolto, Haddad foi o primeiro a abandonar o púlpito, ocupando o centro do palco.

Bolacha ou biscoito

Atrás na votação do primeiro turno, o ex-prefeito foi mais incisivo nas cobranças ao ex-ministro. Também provocou o adversário, por exemplo, quando citou o congelamento das verbas da merenda escolar promovido pelo governo Bolsonaro. “Você está sabendo o que as crianças estão comendo nas escolas? É suco e bolacha – ou biscoito, como vocês chamam no Rio de Janeiro”, fazendo alusão ao estado de Tarcísio.

Tarcísio, por seu vez, se confundiu ao chamar, por duas vezes, de “Campos dos Elísios” – na verdade, Campos Elísios – o bairro da região central da capital paulista, revelando sua pouca intimidade com cidade. É para lá que ele pretende transferir as estruturas do governo estadual, como forma de revitalizar o centro.

Haddad discordou da proposta. Disse que seria um gasto desnecessário, e que não atingiria o objetivo pretendido. “O centro está precisando de morador. Tem muito emprego no centro, o que não tem é morador. Precisamos revitalizar o centro o dia inteiro, e não só no período diurno.” Para isso, Haddad sugeriu recuperar o Minha Casa Minha Vida. E criticou o programa habitacional substituto. Segundo ele, a população que ganha até três salários mínimos “nunca viu a cor” da Casa Verde e Amarela.

Tarcísio acusou Haddad de deixar obras inconclusas, principalmente na saúde, durante a sua gestão na prefeitura. Haddad afirmou que construiu 35 hospitais-dia em quatro anos. E deixou “dinheiro em caixa” para concluir as demais obras planejadas e encaminhadas – como os hospitais de Parelheiros e da Brasilândia. E ainda destacou que reduziu a dívida do município em R$ 50 bilhões. Esse valor, segundo ele, corresponde a 10% da média de investimentos do estado de São Paulo, nos últimos anos, criticando a gestão Doria-Garcia.

Bolsonarismo

O ex-ministro da Infraestrutura desviou das críticas de Haddad sobre a condução do governo federal durante a pandemia, como o atraso nas vacinas e suspeitas de corrupção. Também não respondeu se pretende trazer para São Paulo os decretos com “100 anos de sigilo” que Bolsonaro aplicou.

No entanto, Tarcísio apostou na agenda regressiva de Bolsonaro, em diversos outros temas. Disse, por exemplo, que “a arma sempre chegou ao bandido. Agora ela está chegando ao cidadão de bem”. Se eleito governador, prometeu pressionar o Congresso para aprovar a redução da maioridade penal – coisa que nem tentou. E disse que as armas nos uniformes dos agentes da Polícia Militar “estão inibindo os policiais de atuar”.

“Como você, que se diz técnico, vai desafiar os dados que são da própria polícia?”, questionou Haddad, afirmando que as câmeras ajudaram a reduzir em até 80% a letalidade policial, salvando vidas inclusive dos próprios agentes de segurança.

ICMS da gasolina

Também ficou nítida a diferença da papel do Estado para cada candidato. Haddad defendeu a articulação com o governo federal em políticas públicas, nas mais diversas áreas – principalmente dando como certa a vitória de Lula. O candidato bolsonarista, por outro lado, preferiu apostar na “iniciativa privada”, diante da destruição do orçamento público por parte do governo que ele integrou, que permitiu que recursos da União fossem capturadas pelos políticos do Centrão.

No início do debate, ambos os candidatos se comprometeram a manter as alíquotas de ICMS sobre os combustíveis, que caíram de 25% para 18%. Isso após a base do governo Bolsonaro aprovar no Congresso Nacional um teto nas alíquotas que incidem sobre serviços básicos. Foi uma medida desesperada para reduzir os preços da gasolina e do diesel, que contribuíram com a alta da inflação, aumentando a insatisfação contra o governo.

Haddad, no entanto, denunciou que Bolsonaro fez “caridade com chapéu alheio”. Assim, reduziu a arrecadação de estados e municípios, prometendo que as perdas seriam compensadas. Contudo, vetou o dispositivo que previa que o governo federal compensasse as perdas dos demais entes da federação.

“Vou manter a alíquota do ICMS, e vou lutar junto a todos os governadores para que o veto do Bolsonaro, um descumprimento do acordo com o Congresso Nacional, seja efetivamente derrubado”, disse o ex-ministro da Educação.

Privatizações

As diferenças de concepção do papel do Estado entre os candidatos também ficou evidente quando trataram da privatização do Porto de Santos – uma das bandeiras de Tarcísio. “Você quer privatizar não os terminais, que já são privatizados”, disse Haddad. “Você quer privatizar a atividade portuária. Quero que você me dê um exemplo no mundo onde a privatização da atividade portuária deu certo.” O candidato bolsonarista não respondeu.

Haddad também pressionou o adversário a se posicionar em relação à privatização da Sabesp. Ele afirmou que caso a empresa seja privatizada, os serviços ficarão mais caros. “Já estamos pagando um absurdo no alimento, vamos pagar um absurdo também na água?”

Tarcísio então citou a privatização da Eletrobras, realizada em meados deste ano, como modelo a ser seguido. Citou que o governo arrecadou R$ 33 bilhões. Além disso, afirmou que o processo vai baratear o preço da energia. Mas ele mesmo citou que outros R$ 32 bilhões vão para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Esse recurso vai ser gasto justamente para amortizar o aumento das tarifas de energia nos próximos anos, o que derruba o argumento de que os custos ao consumidor vão cair no longo prazo.

Rebatendo o adversário, Haddad disse que o valor arrecadado pela venda da Eletrobras era equivalente ao orçamento secreto do ano que vem. Na proposta para 2023, o governo Bolsonaro reservou um total de R$ 38,8 bilhões para emendas de parlamentares, cortando recursos de programas de habitação e saúde – como o Farmácia Popular –, entre outros.

“Não precisa vender o controle da Sabesp, e você sabe disso. Isso é pressão do mercado financeiro, que quer ganhar uns trocos com o controle acionário. Esse povo já está rico”, afirmou o petista. E perguntou se Tarcísio pretendia trazer a prática do orçamento secreto para São Paulo também.

Salário mínimo e crescimento

Haddad ainda criticou Bolsonaro por não reajustar o salário mínimo acima da inflação nos últimos anos. Disse que “está tudo errado”, e que é preciso “refazer o atual modelo econômico”. “Temos que atender a base da pirâmide. Ela é que aí fazer a economia rodar. É assim que se gera emprego”, explicou.

Tarcísio, por seu turno, aposta em criar empregos “reduzindo a carga tributária” e apostando na “desburocratização”, para assim recuperar a “potência” do estado de São Paulo. “Isso não tem nada a ver com o orçamento secreto, mas com gestão”, afirmou. E alegou que Haddad seria um saudosista do governo Lula.

“Sabe porque eu lembro dos bons tempos dos oito anos do governo Lula? Simplesmente porque crescíamos a 4% ao ano, quando o mundo crescia a 2,5%. Agora o mundo cresce a 2% e o Brasil, no governo Bolsonaro, cresce a 1%. Não existe geração de emprego crescendo 1%. Temos que mudar o modelo econômico. Temos que botar o pobre no orçamento. É ele que faz a economia girar”, respondeu o petista.

Haddad ainda lembrou que Tarcísio trabalhou por quatro anos no governo de Dilma Rousseff (no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, Dnit).

“Nós vamos ter que recuperar o orçamento público. Presidente Lula tem falado muito de orçamento participativo. As conferências, as pessoas precisam se reapropriar do orçamento. Você falou da Dilma, você tem elogiado muito a Dilma porque você trabalhou quatro anos no governo da Dilma. Eu trabalhei menos que você, eu trabalhei um. Então você sabe, e já fez várias declarações elogiosas à correção dela.”


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