Indicado pelo governo

Conselho do MPF veta procurador pró-ditadura em comissão que investiga ditadura

Nome havia sido indicado pelo Executivo para ocupar vaga do Ministério Público. Colegiado passou por "desmonte" na semana passada, após críticas a Bolsonaro

Geraldo Magela/Agência Senado
Geraldo Magela/Agência Senado
Vice-procurador-geral da República, Luciano Maia considera Benedito 'homem brilhante', mas não para atuar na Comissão sobre Mortos e Desaparecidos

São Paulo – O Conselho Superior do Ministério Público Federal (MPF) vetou nesta terça-feira (6) o nome do procurador Ailton Benedito de Souza para integrar a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Indicado pelo governo, em abril, ele substituiria Ivan Marx na vaga que cabe ao MPF no colegiado, conforme a Lei 9.140, de 1995. Benedito já se manifestou publicamente pela ditadura, e a Comissão Especial investiga justamente crimes ocorridos durante aquele período. No entendimento do Conselho, cabe ao próprio Ministério Público designar um membro, e não ao presidente da República. Benedito havia sido convidado formalmente pelo secretário de Proteção Global, Sérgio Queiroz, subordinado à ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.

A votação havia sido interrompida em 4 de junho, depois de pedido de vista do conselheiro Nicolao Dino – que divergiu do relatório –, e foi retomada hoje. A própria procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que havia se posicionado favoravelmente à indicação, seguindo a relatora, Maria Caetana Santos, reconsiderou sua posição. Ativistas de direitos humanos e familiares de desaparecidos políticos veem um processo de desmonte em curso, depois que, na semana passada, o governo substituiu quatro dos sete integrantes da Comissão Especial, incluindo a presidente, procuradora Eugênia Gonzaga. Ela havia criticado o presidente da República pelo episódio envolvendo o atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, filho de desaparecido político. Eugênia Gonzaga participou da sessão do Conselho Superior.

Durante a audiência de hoje, o perfil conservador do “candidato” governista foi lembrado. O vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, definiu Benedito como “homem brilhante, de largo saber jurídico”, mas o julgou inabilitado para ocupar uma vaga na Comissão Especial, por postura “da legalidade na perspectiva do Estado, não na perspectiva da vítima”, considerando um contexto em que “o Estado brasileiro violou duramente a democracia e os direitos fundamentais”.

Assim, quem entra na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos “precisa falar a linguagem da memória e da verdade, para ter reparação”, argumentou o vice-procurador, para quem Benedito “tem muito brilho, a instituição é plural, tem muitos espaços normativos onde cabe alguém com tantas habilidades quanto as dele, mas não nessa comissão”, emendou. “São mortos insepultos na memória, e isso o Brasil precisa resgatar”.

Ativo em redes sociais, o procurador agora preterido fala que “esquerdistas” se promovem há décadas às custas do sofrimento de familiares de “supostas vítimas” da ditadura – palavra que ele deixa entre aspas. Ele se refere aos “esquerdistas” como “bactérias cadavéricas ideológicas”. Benedito também é adepto da tese sobre “ideologia de gênero” e adotou a expressão “balbúrdia”, ao gosto do atual governo. Opina, inclusive, sobre temas econômicos: já elogiou as “políticas econômicas dos governos Temer e Bolsonaro” e defendeu a “reforma” da Previdência.