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‘Nova’ Comissão de Mortos e Desaparecidos tem admiradores do golpe de 1964, de Olavo e de Ustra

Novo presidente, indicação pessoal da ministra Damares, passou por investigação em sua cidade de origem. Deputado considera que golpe tem de ser comemorado, como quer Bolsonaro

Reprodução/Facebook
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A ministra Damares e o novo chefe da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, Marco Carvalho: indicação pessoal

São Paulo – A nova composição da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que deve ainda ser mexida, inclui simpatizantes do regime pelo qual, teoricamente, deveria ter ao menos uma visão crítica, já que se trata de um colegiado que averigua ocorrências do período da ditadura. Pelo menos um deles é explícito: o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) considera que o golpe de 1964 deve ser comemorado, como pediu em março o presidente Jair Bolsonaro. Ex-vereador de Londrina, ele considera que naquele momento “o Brasil foi salvo da ditadura comunista”. E acrescenta, no Twitter: “O resto é revisionismo”.

Barros é advogado formado pela Universidade Estadual de Londrina. Apresenta-se também como “palestrante sobre ideologia de gênero e aborto”. É aluno e admirador do astrólogo Olavo de Carvalho. Recentemente, apresentou pedido de prisão do jornalista Glenn Greenwald, do Intercept.

No final de 2016, a Promotoria de Justiça de Direitos Constitucionais de Londrina ofereceu denúncia à Justiça contra Barros, então vereador eleito, e outras pessoas, por supostamente terem cometido crimes de discriminação religiosa e injúria racial. Em setembro, ao comentar a exibição de uma peça cuja história remetia a religiões de matriz africana, ele afirmou em rede social que a programação da Semana da Pátria incluía “macumba” diante da prefeitura.

Presidente já foi investigado

O novo presidente da Comissão Especial, conforme decreto publicado ontem (31) no Diário Oficial da União, é o também advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho, servidor da prefeitura de Taió, em Santa Catarina. Já chegou a disputar cargo de vereador e se candidatou a suplente de senador no ano passado. Em 25 de janeiro deste ano, uma comissão interna municipal arquivou, alegando falta de provas, um processo em que ele era investigado, por suspeita de ter vazado a minuta de um edital de concurso público. Em outubro de 2018, o Ministério Público de Santa Catarina moveu ação civil pública contra Carvalho, por improbidade administrativa, com “divulgação antecipada e dolosa” de edital.

No ano passado, Carvalho se filiou ao PSL. Ele substitui a procuradora regional da República Eugênia Augusta Gonzaga. A nomeação foi um pedido da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. A solicitação foi feita à prefeitura em 16 de janeiro, antes da conclusão da averiguação.

Já o coronel reformado Weslei Antonio Maretti formou-se em Infantaria na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em 1974, ano de entrada de Jair Bolsonaro. Ele informa ter mestrado em Ciência Política e doutorado em Sociologia, ambos pela Universidade de Brasília (Unb).

Crítica ao Exército

Em um texto de 2008 (“Crise de Liderança”), publicado no portal A Continência, Maretti disse considerar aceitável que “determinados grupos sociais e políticos” tenham uma visão histórica “segundo a qual pessoas armadas que lutavam, na década de 60, para implantar uma ditadura de esquerda, conforme os modelos cubanos ou chinês, eram democratas lutando pela liberdade”. E que esses mesmos grupos tentem “rever a história questionando a Lei de Anistia”.

O que ele não considerava aceitável, escreveu, “é a atitude das lideranças do Exército” durante julgamento do coronel Brilhante Ustra “por supostos crimes cometidos, quando este desempenhava uma função militar, durante o período militar”. Ele afirma no artigo que em momento algum as atitudes de Ustra foram questionadas por seus chefes. Há uma frase de 2013 no Facebook, atribuída ao militar, em que ele considera um exemplo “o comportamento e a coragem” de Ustra ao depor na Comissão da Verdade.

Vital Lima Santos é tenente-coronel do Exército. Em março, foi designado um dos coordenadores do Grupo de Trabalho Araguaia, subordinado ao Ministério da Defesa, onde estava trabalhando. A pasta tem assento na Comissão Especial. Ele substitui o coronel João Batista da Silva Fagundes, membro mais antigo do colegiado – desde 2003. Ontem, Eugênia Gonzaga diz que Fagundes “sempre compreendeu que era um tema humanitário e deu todo o apoio” aos trabalhos.

Representação na PGR

A bancada do Psol na Câmara anunciou uma representação  na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra as nomeações feitas por Bolsonaro na Comissão Especial. O partido considera as mudanças “um escárnio com a história recente do Brasil e com as vítimas do regime militar e uma estratégia para inviabilizar o seu funcionamento”.

“Isso configura abuso de poder do presidente, que o utiliza para atingir uma finalidade distinta daquela para a qual foi investido no cargo, para satisfazer um desejo pessoal que é descolado da realidade, e, em última instância, para mentir para a população sobre o que efetivamente aconteceu durante a ditadura militar”, diz líder do Psol, Ivan Valente (SP).

Dos três integrantes que permaneceram, um deverá ser substituído em breve: Ivan Marx, representante do Ministério Público Federal e defensor da chamada Justiça de Transição, por reparação a vítimas e resgate da memória política. Para o seu lugar, o indicado é o procurador Ailton Benedito, de perfil conservador e contrário à investigação sobre crimes cometidos pela ditadura. O Conselho Superior do Ministério Público pode decidir na semana que vem. Em junho, a votação foi interrompida, mas ele já tem maioria – um dos votos favoráveis é da própria procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Desde 1995

A Comissão Especial foi criada em 1995, pela Lei 9.140, a mesma que reconheceu como mortas, “para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias”.

Dos sete membros, pela lei, quatro serão escolhidos entre os membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, do MPF e do Ministério da Defesa, e também entre pessoas ligadas a familiares das vítimas.  Atualmente, fazem parte do colegiado Diva Soares Santana e Vera Paiva. A primeira é irmã de Dinaelza Coqueiro, que atuou na Guerrilha do Araguaia. Vera é filha do deputado Rubens Paiva, preso e morto em 1971.

“Essa comissão sempre foi apartidária, composta por pessoas que têm estreita relação com o tema”, disse ontem a procuradora Eugênia Gonzaga. “E  não são remuneradas”, lembrou.

“Sua finalidade é proceder ao reconhecimento de pessoas mortas ou desaparecidas  em razão de graves violações aos direitos humanos ocorridas após o golpe civil-militar (1964); envidar esforços para a localização dos corpos de mortos e desaparecidos políticos do período ditatorial (1964-1985); emitir parecer sobre os requerimentos relativos a indenização que venham a ser formulados por familiares dessas vítimas; e adotar outras medidas compatíveis com suas finalidades que forem necessárias para o integral cumprimento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade”, diz o texto de apresentação da Comissão Especial.

Quem entra

Marco Vinícius Pereira de Carvalho
Advogado, 45 anos, nasceu no Rio de Janeiro. Foi indicação da ministra Damares Alves, de quem era assessor especial. É filiado ao PSL catarinense. Já foi candidato a suplente de senador e a vereador (então no PMDB) em Taió (SC)

Weslei Antônio Maretti
Coronel reformado. Defendeu Ustra de “supostos crimes” cometidos durante a ditadura

Vital Lima Santos
Tenente-coronel do Exército. Em março, foi designado coordenador do Grupo de Trabalho Araguaia, vinculado ao Ministério da Defesa

Filipe Barros
Deputado federal pelo PSL do Paraná, foi vereador em Londrina e é advogado de formação. Militou no grupo Endireita Paraná e é ligado ao Movimento Brasil Livre. Entusiasta do golpe de 1964. Apresentou pedido de prisão do jornalista Glenn Greenwald

Quem sai

Eugênia Augusta Gonzaga
É procuradora regional da República em São Paulo. Assumiu a presidência da Comissão em 2014

Rosa Cardoso
Advogada, ex-integrante e ex-presidente da Comissão Nacional da Verdade

João Batista da Silva Fagundes
Coronel da reserva e ex-deputado. Era o membro mais antigo da Comissão Especial (desde 2003)

Paulo Pimenta
Deputado federal pelo PT-RS, nomeado em 2015

Quem fica (por enquanto)

Diva Santana
Representante dos familiares de desaparecidos

Ivan Marx
Representante do Ministério Público Federal. Deve ser substituído pelo procurador Ailton Benedito, do grupo conservador

Vera Paiva
Representante dos familiares

 

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