Perversidade

Caso Marielle descortina ‘falência institucional’ do Rio, declara sobrevivente do atentado

Ex-assessora de Marielle, Fernanda Chaves se diz chocada com o envolvimento do delegado Rivaldo Barbosa e ressalta que foi preciso que um novo presidente da República assumisse para que o caso recebesse o devido tratamento

Arquivo pessoal
Arquivo pessoal
O Rio de Janeiro está "absolutamente carcomido na sua institucionalidade pela atuação de organizações criminosas", afirma Fernanda Chaves

São Paulo – Sobrevivente do atentado que tirou as vidas da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, a assessora da ex-parlamentar Fernanda Chaves afirmou, nesta segunda-feira (25), que sofreu o segundo maior choque de sua vida, após o crime, com a notícia do envolvimento do delegado Rivaldo Barbosa no duplo assassinato e na tentativa de executá-la. O ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro foi preso nesse domingo (24) como um dos três suspeitos de arquitetar e ordenar o assassinato de Marielle em março de 2018.

Ainda ontem, Rivaldo foi transferido para Brasília e encaminhado para a penitenciária federal no Distrito Federal ao lado Domingos Brazão e Chiquinho Brazão, também apontados como mandantes do crime. Hoje, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou por unanimidade a decisão do ministro Alexandre de Moraes que levou à prisão dos três.

“Esse foi o maior choque depois do atentado em si, obviamente. Recebi chocada essa notícia de que ele estaria envolvido não apenas no processo, no decorrer. Não foi algo como ‘ele recebeu uma propina para engavetar uma prova’, o que já seria bizarro. Foi mais do que isso. O que esse inquérito diz é que o Rivaldo está desde a concepção (do assassinato). Ele preparou um terreno para que o crime não fosse elucidado. Ele está na arquitetura do plano para assassinar Marielle. Estou chocada e revoltada com essa informação”, afirmou Fernanda em entrevista ao ICL Notícias, transmitido pela TVT.

Os mandantes

De acordo com a assessora, o choque se deu também porque a família e amigos, que acompanham as investigações, nunca tiveram a mínima suspeita de envolvimento do ex-chefe da Polícia Civil. Diferentemente do caso dos irmãos Brazão que, desde 2008, já constavam no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias. Chiquinho Brazão é deputado federal e foi expulso do União Brasil, seu partido até então, nesse domingo. Já Domingos Brazão é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio de Janeiro.

As investigações mostraram que os irmãos Brazão decidiram mandar assassinar Marielle Franco, porque ela estaria se opondo à votação do PLC 174/2016, de autoria de Chiquinho Brazão, que era vereador na época. O projeto, conhecido como PL da Grilagem, versava sobre a regularização de lotes em bairros onde atuam as milícias do Rio de Janeiro. A vereadora e o Psol eram opositores ao PLC 174 que, ironicamente, acabou sendo aprovado no dia da morte da vereadora, com 27 votos favoráveis, mas dentro de uma votação apertada e desgastada. O que incomodou Chiquinho.

“Era uma linha de investigação que sabíamos que poderia dar alguma coisa, embora chocante tudo isso. Agora a participação do Rivaldo foi uma informação que chegou sem que tivéssemos a mínima ideia disso. Ele era uma pessoa que tínhamos como referência dentro da Polícia Civil. (…) A própria Marielle tinha interlocução com ele. Era uma figura com a qual você conseguia mediar e acessar. Era tido como mais progressista dentro da Polícia Civil. Uma referência no campo de segurança com a qual Marielle já lidou. O Rivaldo falou que era uma questão de honra resolver (o caso), ele esteve com a família”, lamentou Fernanda.

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O choque de Freixo

A indignação com a revelação também foi reforçada pelo presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), Marcelo Freixo. O ex-parlamentar, com quem Marielle atuou e era grande amiga, acompanhou com a família as investigações. E foi recebido pelo ex-delegado no dia seguinte às mortes de Marielle e Anderson.

“É muito duro você imaginar que a pessoa que te recebeu, abraçou, falou que ia investigar, participou (do crime). Isso vai para uma dimensão humana muito grave, ultrapassa qualquer debate institucional, foi a forma como eu me senti”, acrescentou no ICL Notícias.

Freixo afirmou, contudo, que era notável que a Civil não estava promovendo avanços sob o comando de Rivaldo. “Eu já sabia que eles não estavam investigando”, observou. “Eu não sosseguei um minuto desde o primeiro dia (do crime). E vi os delegados se aproximando de uma vertente importante e os delegados eram trocados. Foram cinco delegados ao longo de cinco anos. E (eles) não foram afastados porque eram ruins, mas porque eram bons”, contestou.

Falência institucional

Ainda ontem, a ex-assessora que sobreviveu ao atentando criticou a demora para que o caso Marielle fosse tratado como deveria. “Foi preciso que mais de meia década se passasse, foi preciso que um novo presidente da República assumisse para que esse caso recebesse o devido tratamento que merece: o de maior relevância da história política do Brasil desde a redemocratização”, escreveu. O caso, ainda segundo Fernanda, descortina a falência institucional do Rio de Janeiro.

“Foi preciso que uma Força Tarefa Federal assumisse a frente das investigações para que avançássemos nas investigações e, mais, descortinássemos a bizarra situação do Rio de Janeiro, absolutamente carcomido na sua institucionalidade pela atuação de organizações criminosas”.

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima