Herança maldita

Antipolítica é legado de Moro e da Lava Jato, diz Lenio Streck

Jurista aponta que força-tarefa legou ao país o “enfraquecimento das instituições”, advertindo que como “Bolsonaro deu errado”, os adeptos desta retórica podem apostar suas fichas no ex-juiz em 2022

Lula Marques
Lula Marques
"Quem construiu tudo o que está aí foi o discurso da antipolítica. E não é que o discurso da 'anti-antipolítica' volta agora, em uma espécie de metalinguagem?"

São Paulo – A admissão por parte do ex-juiz e ex-ministro do governo Bolsonaro, Sergio Moro, de que a Lava Jato foi usada para combater o PT de forma efetiva e eficaz, “é mais um elemento que dá razão aos democratas brasileiros e ao STF, que corretamente considerou um juiz parcial”, segundo o pós-doutor em Direito e professor de Direito Constitucional Lenio Streck.

Moro deu a declaração em uma entrevista à rádio Capital FM de Cuiabá (MT), ontem (29) pela manhã. Em seguida, tentou voltar atrás da afirmação, alegando que a operação teria descoberto “esquemas de corrupção” e mostrado “o que o PT verdadeiramente é”. 

“Dizer que a Lava Jato combateu com eficácia o PT significa dizer que o juiz era parcial, amarrava as mãos do goleiro, ensinava qual era o canto para chutar e ainda, depois do jogo em que apitou a favor de um, foi trabalhar na diretoria do clube que beneficiou. Isso tudo está esculpido em carrara na confissão da sua parcialidade. No Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, ele teria se dado mal”, afirmou o jurista, em entrevista a Gustavo Conde, no programa Bom para Todos, da Rede TVT.

Lenio também comentou a investigação de qual Moro é alvo no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU). O ministro da corte Bruno Dantas determinou que a empresa de consultoria Alvarez & Marsal detalhe informações e forneça toda a documentação referente ao rompimento do vínculo de prestação de serviços com o ex-ministro de Bolsonaro, incluindo os valores recebidos pelo ex-juiz e as datas de transação.

“O próprio Moro vai usar garantias processuais, inclusive para não responder ao Tribunal de Contas da União. Temos que ser muito transparentes, nós, professores, não negamos direitos mesmo para os adversários. Todos têm direito a garantias”, disse.

Moro e a antipolítica

O jurista alertou para o perigo do retorno do discurso que criminaliza a política, citando como exemplo o jornal Zero Hora, mas lembrando que parte da mídia tradicional o adotou, ajudando a pavimentar o caminho que levou Jair Bolsonaro à presidência.

“Qual é o discurso? Viva a Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal acabou com a Lava Jato, portanto o STF é conivente com a corrupção… Esse discurso repete um erro histórico”, adverte. “Quem construiu tudo o que está aí foi o discurso da antipolítica. E não é que o discurso da ‘anti-antipolítica’ volta agora, em uma espécie de metalinguagem?”

Para Lenio, “o legado do Moro e da força-tarefa (da Lava Jato) é o da antipolítica, do enfraquecimento das instituições” e como “Bolsonaro deu errado”, os adeptos desta retórica podem apostar suas fichas em Moro em 2022.