Conflito distributivo

Polarização Lula x Bolsonaro é retrato da luta de classes no Brasil

Para o economista Eduardo Costa Pinto (UFRJ) disputa por salários e direitos sociais, de um lado, e a manutenção de privilégios, do outro, movem os interesses dos eleitores

Milo Miloesger/CC.0/Unsplash
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São Paulo – Pesquisas eleitorais vêm reforçando cada vez mais que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual ocupante do Planalto, Jair Bolsonaro (PL), serão os protagonistas da disputa eleitoral de 2022. Enquanto Bolsonaro é o principal beneficiário da saída do ex-juiz Sergio Moro, Lula segue na liderança isolada, inclusive com possibilidade de vitória no primeiro turno. Na mais recente pesquisa Quaest – registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o nº BR-00372/2022 – por exemplo, sem o ex-juiz, Lula aparece com 45% das intenções de votos, enquanto Bolsonaro marca 31%. Juntos, portanto, os dois primeiros colocados concentram mais de três quartos das escolhas do eleitorado. Apesar de contar com ampla simpatia da imprensa comercial, a chamada “terceira via” não deve chegar muito longe.

De acordo com o professor de Economia e vice-diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eduardo Costa Pinto, os diferentes grupos que compõem a sociedade brasileira orientam suas escolhas políticas menos por questões puramente ideológicas, mas principalmente a partir dos seus próprios interesses materiais. “Nesse sentido, dada a nossa formação social, nossas tensões e outros problemas, a forma como a luta de classes se expressa no Brasil está muito associada, por exemplo, à questão salarial e de renda”, afirmou o economista.

Em retrospecto

Para Pinto, toda vez que os salários aumentam, as tensões entre as classes são “enormes”. Foi o que ocorreu, segundo ele, durante as gestões petistas. Entre maio de 2005 e janeiro de 2016, o aumento real acumulado do salário mínimo foi de 72,98%. Até 2012, no entanto, essas tensões foram suavizadas, já que a burguesia brasileira também se beneficiou das altas taxas de crescimento econômico.

“Aumentou a renda, diminuiu a precarização e o pessoal foi para a carteira assinada. Na verdade, a gente trouxe para os direitos sociais da constituição de 1988 um enorme contingente nesse período. Parte desses direitos tem a ver com a formalidade do mercado de trabalho”, anotou.

“A partir de 2012, 2013 e 2014, os lucros da mega-burguesia brasileira vão caindo gradativamente. Enquanto que o salário mínimo continuou aumentando. Qual foi a reação da burguesia? Mudar a ordem, dar golpe, para mudar o padrão de acumulação”, disse o economista, em referência ao golpe do impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016. Na sequência, o governo Temer fez passar a terceirização irrestrita, e as reformas trabalhista e da Previdência, que reduziram os custos da mão de obra em benefício do capital.

De volta para o futuro

Hoje, são as tensões criadas por essas mudanças que orientam a opção de voto dos eleitores. Nesse sentido, Bolsonaro representa dois grandes blocos, segundo Eduardo Costa Pinto. “As chamadas camadas sociais médias e o ‘pessoal da grana'”. “Por outro lado, o voto no Lula, é forte entre os mais pobres, pretos e pardos, na região Nordeste sobretudo, e entre as mulheres. Ou seja, tem um cruzamento de classe, de raça e de sexo. São os mais pobres e os mais afetados que enxergam em Lula a possibilidade de recompor ganhos que já tiveram em algum momento. Isso fica na memória”, disse o professor.

Para corroborar com essa hipótese, ele utiliza os dados da última pesquisa Datafolha, que detalha a distribuição dos votos entre os diversos recortes demográficos no Brasil. Publicada no final de março – registrada no TSE sob o nº BR-08967/2022, o levantamento traz Lula com 43% das intenções de voto, contra 26% de Bolsonaro. A disputa mais aguda, no entanto, se revela nos detalhes.

Em faixas

Entre os empresários, por exemplo, Bolsonaro marca 50%, contra 20% de Lula. Por outro lado, entre os desempregados, o petista marca 35%, e o atual presidente, 14%. Já entre os estudantes, o ex-presidente vai a 29%, contra 14% do atual mandatário. Lula também lidera entre os assalariados sem registro (33% x 17%), assim como entre os autônomos (32% x 24%). Já entre assalariados com registro, Bolsonaro aparece na frente por pequena margem (28% x 24%).

Ainda citando aquela pesquisa Datafolha, em relação à renda mensal, os que ganham até dois salários mínimos preferem Lula majoritariamente (32% x 16%). Entre os com renda entre dois e cinco mínimos, a disputa é mais acirrada, com vantagem para Bolsonaro (31% x 27). Nas faixas de maiores salários, de cinco a dez, e acima de dez mínimos, Bolsonaro predomina, com 35% x 25% e 39% x 24%, respectivamente.

Classe média e militares

Eduardo destaca que os estratos de classe média, aí sim, expressam o voto ideológico em favor de Bolsonaro. Isso porque são setores que querem manter seus próprios privilégios. “Eles não querem que o pessoal de baixo suba, porque significa que não vão ter empregada doméstica, por exemplo”, disse o economista. Além disso, querem continuar a pagar mais barato pelos serviços – alimentação, salão de beleza, academia –, setor em que a precarização do trabalho é maior.

Por sua vez, os militares não aparecem nas pesquisas. Mas, de acordo com o economista, votam majoritariamente em Bolsonaro, tanto em função de suas cruzadas “anti-esquerda”, mas também para manter privilégios, que temem perder sob um eventual governo Lula.

Visões em disputa

Em resumo, o professor acredita que a disputa eleitoral desse ano deve girar em torno de duas agendas, principalmente. Emprego e renda, devem ser um dos temas centrais, dado o aumento do desemprego, da precarização, da miséria e da inflação nos últimos anos. “Não é por acaso que a maioria mais pobre está votando no Lula”, frisou. Ao mesmo tempo, os grupos ligados a Bolsonaro devem seguir insistindo na disputa pela chamada pauta de costumes, num esforço para tentar encobrir as questões de cunho material que afetam a maioria da população.

Ricardo Stuckert/Agência Brasil
Mais pobres enxergam em Lula a possibilidade de recompor ganhos que foram perdidos nos últimos anos (Ricardo Stucket e Ag. Brasil)


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