PEC da Vingança

‘Casuísmo’: jurista critica PEC que muda aposentadoria no STF

“Fica muito claro que o objetivo não é oxigenar o STF, melhorar a estrutura de carreira ou a composição crítica da Corte, é simplesmente colocar pessoas dele (presidente da República). Não se pode trabalhar as instituições nacionais dessa maneira”, aponta Marcelo Uchôa

Fellipe Sampaio /SCO/STF
Fellipe Sampaio /SCO/STF
"Uma pessoa que tem responsabilidade política e com as coisas jurídicas mais elevadas da nação não tomaria a dianteira numa proposta tão indecorosa e imoral que é chamada de PEC da vingança", aponta

São Paulo – Para o advogado e professor de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor) Marcelo Uchôa, também integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), é “casuísmo puro” a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 159/2019, que modifica a idade de aposentadoria compulsória de servidores públicos e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), de 75 para 70 anos. Em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, o jurista alerta que a proposta é inconstitucional e pode alterar o equilíbrio entre os três poderes. 

Aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara na terça-feira (23), o texto reverte a chamada PEC da Bengala, sancionada em 2015, que havia elevado o limite de idade para os ministros de todos os tribunais superiores para 75 anos. Na época, a mudança foi considerada uma retaliação à então presidenta Dilma Rousseff (PT), que poderia indicar cinco ministros ao Supremo, mas foi impedida. Agora, se aprovada a revogação, a medida pode permitir que o atual presidente possa ter mais duas indicações à Corte. 

Segundo informações do jornalista Guilherme Amado, do Metrópoles, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), decidiu não levar a plenário a proposta que tem como autora a presidenta da CCJ, deputada Bia Kicis (PSL-DF). Ontem (24), ao jornal Folha de S. Paulo, Lira acrescentou que a PEC não tem acordo para prosseguir.

PEC da Vingança

“A preocupação e angústia de quem trabalha na área jurídica não é propriamente com o fato do ministro se aposentar aos 70 ou 75 anos. O problema são essas coisas, que são vitais para a democracia brasileira, serem levadas à aprovação para privilegiar um ou outro presidente da República. Então é claro que essa PEC não deve ser tocada adiante”, defende o jurista. “Se ela não for parada na Câmara, por falta de vergonha de seu presidente, certamente o presidente do Senado não tocará adiante. Porque ela cria um problema entre os poderes. E no Brasil, o que se quer nesse momento, é consertar, garantir um ânimo de equilíbrio para terminar o próximo ano e a gente pensar o que fazer no futuro.” 

Uchôa reforça a análise de que essa também é uma “PEC da vingança”, uma “retaliação” aos ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, que têm 73 anos. “Ao ministro Lewandowski pela coerência que tem tido ao longo dos anos, inclusive com decisões contra o governo de plantão. E também à ministra Rosa Weber, muito em função das decisões com relação ao orçamento secreto”. De acordo com ele, apesar da idade, mesmo se a proposta for aprovada ela não pode prejudicá-los, uma vez que, em tese, eles já têm o direito adquirido de aposentadoria compulsória aos 75 anos. O limite temporal, nesse caso, valeria apenas aos demais membros da Corte com menos de 70 anos. 

Instabilidade institucional

Além disso, Uchôa também chama a atenção para a contradição econômica, já que um dos argumentos para postergar a idade de aposentadoria dos ministros, em 2015, era de que o Estado brasileiro economizaria. A revogação marcaria uma contradição no governo Bolsonaro que, em 2019, aprovou a “reforma” da Previdência que dificulta o acesso à aposentadoria dos trabalhadores em geral com o aumento da idade mínima. O que evidenciaria ainda mais o “jogo político” de mudança das leis conforme “o sabor do governante de plantão”. 

“E o presidente da República deixa isso muito claro. Não há muito tempo, ele disse há duas semanas que tinha 10% do Supremo, se queixando que gostaria de ter mais. O objetivo não é oxigenar o STF, melhorar a estrutura da carreira ou a composição crítica da Corte. É simplesmente colocar pessoas dele (Bolsonaro). Não se pode trabalhar as instituições nacionais dessa maneira”, destaca.

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“Isso coloca o Brasil sempre nessa questão da dúvida, com essa cara de república de bananas. É ruim para o país, não contribui com a governabilidade, deixa todo mundo com um clima mais hostil. Só poderia ter partido mesmo de uma presidente da Comissão de Constituição e Justiça abertamente governista, com uma solicitação de indiciamento por fake news na CPI da Covid. Uma pessoa que tem responsabilidade política e jurídica não tomaria a dianteira numa proposta tão indecorosa e imoral “, acrescenta o jurista.

Confira a entrevista 

Redação: Clara Assunção


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