APENAS VIOLÊNCIA

Violações e chacinas, como a do Salgueiro, são políticas do governo do Rio de Janeiro

Em 2021, polícia do Rio provocou 44 chacinas durante operações. Seis ocorreram em São Gonçalo

TOMAZ SILVA/EBC
TOMAZ SILVA/EBC
Fogo Cruzado aponta três medidas que precisam ser efetivadas para reverter a letalidade policial no Rio: combate à impunidade, preparo dos policiais e foco na prevenção da violência

São Paulo – O caso no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, se soma a outras 43 chacinas, somente neste ano, provocadas por operações policias, na região metropolitana do Rio de Janeiro. De acordo com dados do Instituto Fogo Cruzado, em 2021 houve 59 chacinas ao todo, resultando em 246 mortos.

No último sábado (20), nove pessoas foram torturadas, assassinadas e tiveram seus corpos jogados num manguezal, no bairro das Palmeiras. Ainda segundo os dados da plataforma, três em cada quatro chacinas são feitas em operações policiais. Ao todo, 188 pessoas morreram nessas ações.

O historiador David Gomes, diretor da Federação das Favelas do Rio de Janeiro (Faferj), afirma que as repetições desses casos demonstram que a política de segurança pública do Rio de Janeiro é baseada apenas na violência e na morte, sem a garantia dos direitos dos cidadãos.

“Neste ano, foram 44 chacinas resultados de operações policiais. É uma violação cruel de direitos. No Brasil, de maneira ilegal, impuseram a pena de morte. Nessa última operação no Salgueiro, foram mais de 10 violações da legislação. Então, podemos afirmar que a violência é a marca da política de segurança pública. O genocídio do favelado é uma política de Estado, independente de quem ocupar o Palácio do Guanabara”, criticou.

Violações e mortes nas favelas

Somente em São Gonçalo, o Instituto Fogo Cruzado mapeou, desde julho de 2016, 48 chacinas, com 168 mortos no total. No Complexo do Salgueiro, houve 12 chacinas em pouco mais de cinco ano e metade delas somente este ano.

Para o coordenador da Faferj, a política equivocada de guerra às drogas só serve para “exterminar as pessoas negras e atacar as favelas”. Ele afirma que, há quase 30 anos, governadores do Rio de Janeiro usam a segurança pública como mote principal das campanhas, mas apenas a violência é aplicada sobre o tema.

“Essa ação policial só é feita para matar, porque não há apreensão alguma. Inclusive, as operações com melhores resultados foram feitas sem dar algum tiro. E esse método, que garante o direito da população e combate a criminalidade, é ignorado. Além disso, esse tipo de ação de conflito direito coloca em risco os policias”, acrescentou.

Maria Isabel Couto, doutora em Sociologia e gestora de dados e porta-voz do Instituto Fogo Cruzado, ressalta que a maioria das ações policiais, e principalmente as chacinas no Rio de Janeiro, aconteceram em bairros periféricos ou nas favelas.

“Infelizmente, isso tem a ver com a banalização e naturalização da violência por parte da sociedade nos espaços de pobreza. Quando acontece uma operação policial que termina em mortes, quando isso ocorre em favelas, a primeira coisa que acontece é a polícia divulgar a ficha criminal dessas pessoas, com o objetivo de justificar as mortes. E a população, desesperada com a violência, adere ao discurso. Portanto, as mortes nas favelas são entendidas de maneira natural por parte da sociedade”, lamentou ela.

ADPF 635 não freou as mortes

Em junho de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi favoráve à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que proíbe as operações policiais nas favelas e periferias do Rio para casos excepcionais durante a pandemia. A medida coloca determinações nas ações da polícia e impõe regras, como a proibição do uso de helicópteros blindados como plataforma de tiros. Apesar da norma, a porta-voz do Fogo Cruzado alerta que há um desrespeito à determinação do STF, que ocorre desde o início deste ano.

“Das 13 chacinas com maior número de mortas, desde que começou a atuar em julho de 2016, cinco aconteceram depois da ADPF 635, então há uma escalada nesse tipo de atuação violenta das polícias”, afirmou Maria Isabel, que atribui a manutenção do problema à falta de mudança nos padrões das operações, que operam sobre a lógica da letalidade.

“É uma afronta à ADPF. Há uma clara multiplicação de operações que voltam ao patamar anterior da ADPF. Já foi pedido uma nova manifestação do Supremo, principalmente para obrigar o governo do Rio de Janeiro para criar um plano de ação sobre a letalidade policial. Ao mesmo tempo que se aumenta a chacina, aumenta-se os casos de violência contra agentes de segurança. Isso mostra a insanidade de manter essa lógica do fogo cruzado”, criticou ela.

Necessidade de mudança

Um dos métodos criticados pelos entrevistados, em relação às chacinas provocadas no Rio de Janeiro, é a divulgação das fichas criminais dos mortos, usadas como uma maneira de justificar os assassinatos. “Um terço dos mortos em Salgueiro não tinham nenhum antecedente. É uma banalização dos assassinatos e desses corpos. Isso tudo faz parte do racismo estrutural da sociedade que vê corpos negros como descartáveis”, explica David Gomes.

O Alto Comissariado da ONU mostrou preocupação com a chacina no Salgueiro e pediu a identificação dos responsáveis. Além disso, a organização ressaltou a necessidade de se fazer um debate amplo e inclusivo sobre o modelo de policiamento nas favelas brasileiras.


ONU e Anistia cobram investigação sobre chacina no Salgueiro


De acordo com Maria Isabel, há três medidas que precisam ser efetivadas, no curto prazo, para reverter essa situação de letalidade policial no Rio de Janeiro: combate à impunidade, preparo dos policiais e foco na prevenção da violência.

“Na impunidade, você consegue controlar que as regras não se quebrem com punição e investigação. Tem um levantamento do Human Rights Watch que prova que há homicídios provocados pela Polícia com tiro na nuca, ou seja, não é um confronto. E esses casos saíram impunes”, alertou a integrante do Fogo Cruzado. Esse ponto passa sobre a investigação do MP, sobretudo quando essas mortes ocorrem em operações da Polícia Civil. A chacina do Jacarezinho foi uma operação da Polícia Civil e quem faz as investigações das mortes é a própria Polícia Civil. Portanto, isso é antidemocrático.”

Para ela, usando apenas o método de enfrentamento e combate, o Rio de Janeiro planta a violência e colhe corpos. “O que vemos hoje é resultado de orientações políticas. O governo Witzel, na qual Claudio Castro faz parte, foi eleito sob o lema do “tiro na cabecinha”, o que resultou no maior número de chacinas registrados no Rio de Janeiro, em 2019. Sem dúvidas, esse cenário atual não é um acaso. O Rio de Janeiro está colhendo o resultado das opções políticas de suas autoridades.”