DIRETO E RETO

No G7, Lula escancara fracasso de líderes mundiais na solução de conflitos

Presidente é categórico ao expôr falência do Conselho de Segurança da ONU, condena invasão à Ucrânia citando outros conflitos sem a mesma atenção e alerta para escalada da ameaça nuclear

(Ricardo Stuckert)
(Ricardo Stuckert)
Reunião entre os integrantes do G7 e países convidados no último dia da cúpula

São Paulo – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva expôs sem meias palavras, diante dos líderes dos sete países ditos democráticos com as maiores economias do mundo, o estado de falência do Conselho de Segurança da ONU. Ele discursou neste domingo (21), em Hiroshima, na sessão de trabalho do G7 e países convidados. Ou seja, foi ouvido por todos os presentes. Japão, Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Canadá e Itália formam o G7. Os convidados, além do Brasil, são Índia, Vietnã, Austrália, Coreia do Sul, Indonésia, Comores e Ilhas Cook.

“Hiroshima é o cenário propício para uma reflexão sobre as catastróficas consequências de todos os tipos de conflito. Essa reflexão é urgente e necessária. Hoje, o risco de uma guerra nuclear está no nível mais alto desde o auge da Guerra Fria”, iniciou o presidente brasileiro (leia a íntegra). A seguir, deu o tom de sua fala. “Em 1945, a ONU foi fundada para evitar uma nova Guerra Mundial. Mas os mecanismos multilaterais de prevenção e resolução de conflitos já não funcionam”, afirmou.

O Conselho de Segurança da ONU é formado por 15 países, mas dominado por apenas cinco deles que têm assento permanente e poder de veto. Dos cinco, três estavam ouvindo Lula: Estados Unidos, França e Reino Unido. Os outros dois são China e Rússia. Os dez membros complementates são eleitos pela Assembleia Geral para mandatos de dois anos. Atualmente, a ONU é composta por 193 países.

Inoperante

O presidente brasileiro voltou a cobrar mudança nesse formato. Classificou a ausência de uma reforma como “componente incontornável do problema.” E acrescentou: “O Conselho encontra-se mais paralisado do que nunca. Membros permanentes continuam a longa tradição de travar guerras não autorizadas pelo órgão, seja em busca de expansão territorial, seja em busca de mudança de regime. Mesmo sem conseguir prevenir ou resolver conflitos através do órgão, alguns países insistem em ampliar a agenda do Conselho cada vez mais, trazendo novos temas que deveriam ser tratados em outros espaços do sistema ONU. O resultado é que hoje temos um Conselho que não dá conta nem dos problemas antigos, nem dos atuais, muito menos dos futuros.”

Ameaça nuclear, conflitos disseminados e Haiti

Lula foi direto ao elencar os problemas. Começou pelo crescimento das ameaças de conflitos nucleares. “Vemos retrocessos preocupantes no regime de não-proliferação nuclear, que necessariamente terá que incluir a dimensão do desarmamento. As armas nucleares não são fonte de segurança, mas instrumento de extermínio em massa que nega nossa humanidade e ameaça a continuidade da vida na Terra. Enquanto existirem armas nucleares, sempre haverá a possibilidade de seu uso”, disse.

O presidente ainda destacou o engajamento do Brasil nas negociações do Tratado para a Proibição de Armas Nucleares, “que esperamos poder ratificar em breve”, afirmou. “Fizemos da América Latina uma região sem armas nucleares. Também nos orgulhamos de ter construído, junto com vizinhos africanos, uma zona de paz e não proliferação nuclear no Atlântico Sul.”

Só a Ucrânia?

Lula condenou “a violação da integridade territorial da Ucrânia”, sem deixar de lembrar diversos outros conflitos em andamento do mundo que não recebem o mesmo repúdio. “Israelenses e palestinos, armênios e azéris, cossovares e sérvios precisam de paz. Yemenitas, sírios, líbios e sudaneses, todos merecem viver em paz. Esses conflitos deveriam receber o mesmo grau de mobilização internacional.” O Haiti não ficou de fora das palavras do presidente brasileiro. “O flagelo a que está submetido o povo haitiano é consequência de décadas de indiferença quanto às reais necessidades do país.”

Caminhos a seguir

O presidente encerrou apontando caminhos a seguir. “Testemunhamos a emergência de uma ordem multipolar que, se for bem recebida e cultivada, pode beneficiar a todos. A multipolaridade que o Brasil almeja é baseada na primazia do direito internacional e na promoção do multilateralismo.” E também quais não seguir. “Reeditar a Guerra Fria seria uma insensatez. Dividir o mundo entre Leste e Oeste ou Norte e Sul seria tão anacrônico quanto inócuo. É preciso romper com a lógica de alianças excludentes e de falsos conflitos entre civilizações. É inadiável reforçar a ideia de que a cooperação, que respeite as diferenças, é o caminho correto a seguir.”

Zelensky

Após ser convidado no sábado (20), Lula não irá se encontrar com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, presente à cúpula do G7. A organização da reunião bilateral não foi possível por dificuldade na conciliação das agendas dos dois líderes mundiais. O governo brasileiro sugeriu mais de um horário, mas não houve acerto. A Ucrânia não foi oficialmente convidada para a cúpula, e a presença do presidente daquele país pegou todos de surpresa. Zelensky foi a Hiroshima atrás de mais apoio na guerra contra a Rússia.

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