Novo presidente

Gustavo Petro toma posse na Colômbia e inicia ‘segunda oportunidade’ com apoio do Congresso e das ruas

Gustavo Petro e Francia Márquez, primeiros governantes de esquerda na Colômbia, assumiram cargo nesse domingo, reiterando compromisso com igualdade de gênero, proteção ao meio ambiente e mudanças contra desigualdade e violência no país

Francia Márquez/Twitter/Reprodução
Francia Márquez/Twitter/Reprodução
Eles assumem o mandato com uma maioria ampla no Congresso e forte apoio popular. Mas Petro e Francia terão o desafio de conduzir um país em crise com todas as contas no vermelho

São Paulo – Primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia, Gustavo Petro tomou posse ontem (7), em um grande ato em Bogotá. Diante de cerca de 200 mil pessoas, segundo os organizadores, que acompanharam a posse na Praça Bolívar, no centro da cidade, onde ficam as sedes dos três poderes, o ex-guerrilheiro e ex-senador reiterou sua proposta de mudar o cenário desigual e violento do país que marcou sua campanha e o levou ao cargo. 

“Quero dizer a todas e todos que nos escutam. Hoje começa a Colômbia do possível, nossa segunda oportunidade na Terra”, discursou o novo presidente, em referência a uma passagem da obre Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. “Estamos aqui contra todos os prognósticos, contra uma história que dizia que nunca íamos governar, contra os de sempre, contra os que não queriam soltar o poder. (…) Tudo o que foi escrito neles era irrepetível desde sempre e para sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra”, completou Petro. 

O novo presidente foi empossado pelo chefe do Congresso, Roy Barreras, do Partido Liberal. Durante a cerimônia, Barreras colocou um broche de pomba na faixa presidencial de Petro, simbolizando a “paz total”. “É uma quebra histórica. Na Colômbia, a mobilização social se transformou em poder, graças à paz e apesar da guerra. O triunfo de Petro mostra que a violência política não tem nenhum objetivo”, observou. 

Jovens e indígenas na plateia

Com a faixa, Petro também empossou a advogada e ambientalista Francia Márquez como sua vice-presidenta. Em seu juramento, Francia, que leva o ineditismo de ser a primeira mulher negra no posto, homenageou seus ancestrais, declarando que trabalhará “até que a dignidade passe a ser um costume”. 

Também pela primeira vez na história do país, a posse da dupla era acompanhada de perto por jovens e representantes de diversas etnias indígenas, que ocuparam as filas da frente da plateia, a pedido da vice-presidenta. A cerimônia também foi adaptada pelos novos chefes de Estado que não quiseram tapete vermelho para entrar no Congresso. Petro fez questão ainda de ter ao lado a espada do libertador da América Latina, Simón Bolívar. A peça marcou os 203 anos de independência da Colômbia, celebrados neste domingo, além de remeter a 1991, quando o grupo guerrilheiro M19, do qual o agora presidente fez parte, devolveu ao Estado a espada como parte do acordo que encerrou as atividades do grupo. 

Durante seu discurso de posse, Petro destacou que uma das promessas centrais de seu governo é garantir a “paz total da Colômbia”. O presidente frisou que retomará as negociações com o Exército de Libertação Nacional e implementará integralmente os Acordos de Paz, assinado em 2016 com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs). Assim como promoverá diálogos de paz e medidas de reparação de vítimas a nível local. 

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Nova política antidrogas

Outro compromisso público reiterado na cerimônia foi a promessa de Petro de seguir “à risca” as recomendações do relatório da Comissão da Verdade da Colômbia – a Comision para el Esclarecimiento de la Verdad (CEV), recebido por ele no final de junho. De acordo com o documento, de 1958 a 2016 o conflito (político e também relacionado ao narcotráfico) causou a morte de 700 mil pessoas, na maioria jovens, camponeses e civis – apenas 1,5% morreram em combate. E há ainda 110 mil desaparecidos. “Por isso podemos falar de um genocídio na Colômbia”, disse Petro. 

“Não podemos seguir no país da morte, temos que construir o país da vida. Trabalharemos de maneira incansável para levar paz e tranquilidade a cada canto da Colômbia. Para que a paz seja possível precisamos dialogar”, declarou. 

O novo mandatário também defendeu uma nova política antidrogas. “É hora de uma nova convenção internacional que aceite que a guerra contra as drogas fracassou de maneira rotunda. Deixou um milhão de latino-americanos assassinados, a maioria colombianos, nos últimos 70 anos”, acrescentou. 

Nova Colômbia

Petro também destacou projetos de mudanças estruturais nos sistemas trabalhistas, previdenciário, educacional e de saúde colombianos e seu objetivo de direcionar a economia para uma produção limpa e não extrativista. Conforme já havia anunciado em campanha, o novo presidente quer uma reforma tributária para aumentar os impostos sobre os mais risco. “Impostos não serão confiscatórios, simplesmente serão justos”, definiu. 

Ele classificou a desigualdade social como aberração, “em um Estado que deve proteger a transparência do gasto e em uma sociedade que merece viver em paz”. Outra proposta de Petro é “zerar a fome no país”. “Vamos construir um acordo nacional que garanta uma nova Colômbia. Não ficarei preso nas cortinas da burocracia”, justificou. 

A posse de Petro e Francia foi acompanhada foi diversas delegações internacionais e por nove presidentes, entre eles Luis Arce, da Bolívia, Alberto Fernández, da Argentina e Gabriel Boric, do Chile. O Brasil foi representado pelo ministro das Relações Exteriores, Carlos França. O governo colombiano confirmou que pretende realizar uma política exterior que priorize as relações com os vizinhos latino-americanos.

Ministérios 

Os novos chefes de Estado assumem também com as expectativa de metade da população colombiana que votou na dupla no segundo turno, em 19 de junho. Eles assumem o mandato com uma maioria ampla no Congresso e forte apoio popular. Mas Petro e Francia terão o desafio de conduzir um país em crise com todas as contas “no vermelho”. Do total de 19 ministros, ao menos 15 nomes já foram indicados, com mulheres à frente de várias pasta do governo. Entre elas, a geógrafa Irene Vélez, indicada para o Ministério de Minas e Energia. A ex-atleta e campeã olímpica de levantamento de peso Maria Isabel Urrutía, congressista de 2002 a 2010, comandará a pasta do Esporte. 

O Ministério do Trabalho ficará a cargo da ex-senadora Gloria Ramirez. Antes da posse, neste domingo, Petro também anunciou como novo ministro da Justiça, Nestor Osuña, e da Habitação, Catalina Velasco Campuzano. A nova ministra foi secretária na gestão de Petro na Prefeitura de Bogotá. 

Com informações do Brasil de Fato, do jornal Folha de S.Paulo e da BBC News Brasil

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