Comovidos, venezuelanos manifestam convicção em sequência do chavismo

Maré vermelha que tomou ruas de Caracas para cortejo fúnebre reflete momento de reafirmação da vontade de continuidade do atual governo, agora encabeçado por Nicolás Maduro

A coluna de seguidores, com autoridades perdidas em meio à multidão, expressou a mistura de sentimentos dos venezuelanos neste momento (Foto: Feliciano Sequeira. Ministério das Comunicações)

São Paulo – Dor, confiança e gratidão. Nenhum temor pelo futuro. Foram esses os sentimentos que a Rede Brasil Atual recebeu de alguns venezuelanos que acompanharam hoje (6) o cortejo fúnebre de Hugo Chávez pelas ruas de Caracas. A coluna de seguidores, simpatizantes, eleitores e autoridades deixou o Hospital Militar da capital – onde o presidente morreu, ontem – até a Academia Militar, local escolhido para o velório do chefe de Estado. O vice-presidente da república, Nicolás Maduro, e os ministros chavistas acompanharam o féretro caminhando lado a lado com o povo. Os presidentes de Uruguai, Argentina e Bolívia também seguiram a comitiva.

“É uma mistura de muitos sentimentos”, relata Iván González, venezuelano da cidade de Barquisimeto que mora e trabalha no Brasil mas, por coincidência, enquanto participava de reuniões em Caracas, foi surpreendido pela morte do presidente. “Eu não sei se dá para explicar essa sensação. Estamos todos passando por um momento de grande dor, mas não é só choro. As pessoas também cantam, gritam palavras de ordem, é uma mistura de muita coisa. Pelo que está acontecendo agora na rua, a morte está dando uma força ainda maior para o povo e para o governo.”

Pelo canal de televisão estatal Telesur, que transmitiu ao vivo as cerimônias fúnebres do presidente, foi possível avistar uma maré vermelha de pessoas oferecendo suas últimas homenagens a Hugo Chávez, cujo caixão está coberto pela bandeira da Venezuela e muitas, muitas flores. Os militares que carregam seu corpo trazem uma braçadeira com as cores nacionais, a mesma que o presidente carregou em 1992, quando, ainda um jovem paraquedista do exército, liderou uma tentativa de golpe de Estado que acabou fracassando.

“É um momento muito emocionante. As pessoas estão obviamente tristes, mas temos a convicção de que a história continua. Há muitas razões para seguir lutando, muitas conquistas sociais para defender e vontade de aprofundar o processo bolivariano”, explica Reinaldo Iturriza, membro do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e um dos pensadores do chavismo, que também acompanhava o féretro de Hugo Chávez quando conversou com a RBA. “A continuidade do processo de transformações iniciado pelo presidente está garantido, sem dúvida nenhuma. Chávez foi o líder de um movimento político que transcende sua personalidade. Chávez não seria nada sem o chavismo, e o chavismo está nas ruas neste exato momento.”

Reinaldo Iturriza afirma que os apoiadores do presidente estão conscientes do compromisso que assumiram após sua morte: continuar com a luta que o presidente encabeçava. “É uma luta por dignificar os venezuelanos, para que retomemos nosso lugar na história e nosso protagonismo político”, define. “Porém, mais que isso, é democratizar a sociedade do país em todas as instâncias, da política à cultura. E avançamos muito nesse sentido. Reduzimos a pobreza, erradicamos o analfabetismo e garantimos muitos direitos sociais. Mas ainda falta muito.”

Sucessão

Os chavistas parecem dispostos a seguir as derradeiras orientações de Hugo Chávez sobre sua sucessão. Pouco antes de embarcar para sua última viagem a Cuba, no dia 10 de dezembro, o presidente convocou uma cadeia nacional de rádio e televisão para transmitir ao vivo sua herança política ao vice, Nicolás Maduro. “Se ocorrer alguma coisa que me impossibilite de continuar, peço que vocês elejam Nicolás Maduro como presidente da República”, pediu. “Deus sabe o que faz.” Por isso, nas ruas de Caracas hoje foram ouvidos gritos que diziam: “Com Chávez e Maduro, o povo está seguro”.

“Nosso povo já estava preparado para a notícia da morte do comandante”, reconhece Gustavo Rodríguez, membro da Coordenadora Simón Bolívar, um dos muitos coletivos políticos que se espalham pela periferia de Caracas. “Por isso, todo nosso apoio está com Nicolás Maduro. Apesar das diferenças e contradições que temos, todos os movimentos, organizações e coletivos revolucionários trabalharão pela vitória de Maduro. Enfrentaremos com toda força o desafio das eleições para garantir a continuidade do processo bolivariano.”

O líder comunitário acredita que as homenagens que se veem nas ruas da capital hoje são apenas uma consequência do que Hugo Chávez realizou durante os 14 anos em que esteve no poder. “A paixão das pessoas é apenas uma resposta ao amor que o presidente dedicou a nosso povo. Ele semeou patriotismo e solidariedade. Está colhendo essa grande homenagem.” Por isso, Gustavo acredita que um dos efeitos imediatos da morte do comandante será o aprofundamento das transformações por que vem passando o país. “Devemos acabar com o burocratismo, com a corrupção que existe no governo e com os falsos chavistas, que estão dentro da administração apenas para defender seus interesses.”

O presidente da Aliança Sindical Independente e professor da Universidade Central da Venezuela, Carlos Navarro, também faz uma diferenciação entre os apoiadores do presidente. “Há cerca de 7,5 milhões de venezuelanos, gente do povo, que sentem verdadeira devoção por Hugo Chávez. São os seguidores que estão nas ruas, agora, com o coração na mão, repletos de compromisso, lealdade e respeito a alguém que consideram seu líder”, explica. “Mas existe uma nova classe social, a burguesia que floresceu sob a proteção do governo, que ganhou muito dinheiro com o chavismo e que também está nas ruas, mas por outras razões. Estão mais interessados no próprio bolso.”

Momentos

Entre a morte do presidente e as eleições de um novo governante, Carlos Navarro acredita que a Venezuela passará por quatro momentos diferentes. O primeiro é o luto, que está sendo vivido pela população neste mesmo instante. Depois, virão as honras de Estado, marcadas para sexta-feira (8), quando o país receberá líderes de todo o mundo que irão a Caracas prestar suas homenagens ao corpo de Hugo Chávez. “O terceiro momento será de incertezas e estará marcado por algumas violações institucionais”, prevê. “Já existem sinais disso, pois a Constituição determina que o presidente da Assembleia Nacional deve assumir o poder por 30 dias até o novo pleito, mas isso ainda não ocorreu.”

Finalmente, Carlos Navarro acredita que, quando forem às urnas, os venezuelanos devem acabar escolhendo Nicolás Maduro como presidente do país. Dentro e fora da Venezuela, todos esperam que o herdeiro do chavismo se enfrente ao governador do estado de Miranda, Henrique Capriles, representante da Mesa de Unidade Democrática (MUD) que perdeu as eleições de outubro para Chávez por uma diferença de 10 pontos percentuais. “Até agora, a oposição tem sido bastante comedida, respeitando o luto dos chavistas. Mas não sei por quanto tempo continuarão comportando-se assim”, pondera o sindicalista. “A campanha deve começar para valer em 15 dias.”

Mas ninguém acredita que Nicolás Maduro poderá substituir totalmente Hugo Chávez na condução do governo. “O presidente era um líder com muita autoridade, tinha uma relação mágica, religiosa e muito afetiva com o povo. Tinha uma capacidade de influência sobre as pessoas e os acontecimentos que não há igual na Venezuela hoje em dia”, analisa Carlos Navarro. Gustavo Rodíguez, da Coordenadora Simón Bolívar, vai além. “Chávez já não pertence aos venezuelanos. É um líder mundial. Subiu no palco dos grandes homens e está ao lado de Che Guevara.”