Longe do fim

Com 5,7 mil mortos em Gaza, Israel rejeita cessar-fogo e pede demissão da cúpula da ONU

Convocada pelo Brasil na esperança de acordos contra o conflito que já matou mais de 2 mil crianças palestinas, reunião do Conselho de Segurança da ONU foi marcada por intransigência de Israel, que quer mais sangue, e ameaças dos EUA ao Irã, aliado do Hamas

Saleh Najm and Anas Sharif/Commons Wikimedia
Saleh Najm and Anas Sharif/Commons Wikimedia
Desde o início da campanha, 27.708 palestinos morreram. A estimativa é de que mais de 60% deles sejam mulheres e crianças

São Paulo – A reunião do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira (24), terminou com ameaças dos Estados Unidos ao governo do Irã e a recusa de Israel para um cessar-fogo na Faixa de Gaza. As autoridades israelenses, aliás, pediram demissão da cúpula da ONU, que defende a imediata suspensão dos bombardeios que já mataram mais de 5,7 mil pessoas na região. Já o secretário-geral da organização, António Guterres, alertou para o risco de o conflito se espalhar.

“A situação no Oriente Médio está se tornando mais terrível a cada hora. A guerra em Gaza está em andamento e corre o risco de se espalhar por toda a região. As divisões estão fragmentando as sociedades. As tensões ameaçam transbordar”, disse Guterres.

Chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken também alertou para a ampliação do conflito. E advertiu os iranianos, aliados do Hamas: se houver qualquer ataque, o governo americano irá responder. “Um conflito maior seria devastador”, disse, criticando a atuação de Teerã. “Não queremos que a guerra se amplie. Mas se o Irã atacar nossos cidadãos, não tenham dúvidas de que vamos nos defender (…) Estamos numa encruzilhada”, disse Blinken.

Convocada pelo Brasil, com a esperança de debater a crise no Oriente Médio, a reunião ficou longe de lograr um acordo para o controle da situação, cada vez mais à mercê de ser ampliada.

“Cessar-fogo com alguém que quer te destruir?”

“O que seria a resposta proporcional de matar crianças? Como concordar com cessar-fogo com alguém que quer te destruir? A resposta proporcional é total destruição do Hamas. Não é só nosso direito. Mas nosso dever”, afirmou o chanceler israelense, Eli Cohen, que se recusou a falar em um cessar-fogo.

Segundo o chanceler palestino, Riyad al Maliki, que participou do encontro, já são mais de 5,7 mil mortos em Gaza, sendo 2 mil crianças. “Pare o derramamento de sangue. Não há ajuda humanitária que será suficiente enquanto as mortes não pararem”, apelou ao Conselho de Segurança, defendendo uma declaração imediata do “fim das agressões” e o estabelecimento de corredores humanitários”.

Mais cedo, a porta-voz da agência da ONU para Refugiados Palestinos, Tamares Alrifai, alertou para o fim dos estoques, que não devem passar desta noite. No fim de semana, a passagem em Raffah, na fronteira entre o Egito e Gaza, foi aberta para apenas 20 caminhões por dia, o que é insuficiente.

Ontem (23), a passagem de Rafah para o Egito aberta pelo terceiro dia consecutivo permitiu a entrada de 20 caminhões com alimentos, água e suprimentos médicos. Entretanto, isso equivale a cerca de quatro por cento do volume médio diário de mercadorias que entravam em Gaza antes do início dos conflitos. Nenhum dos carregamentos de suprimentos, porém, trazia combustível, extremamente necessário para abastecer hospitais e instalações de água.

Mesmo que recebam alimentos, palestinos não têm como prepará-los

Com essa situação, segundo a ONU, parte das doações não pode ser aproveitada pela população. “Não há água nem combustível para preparar. Pedimos que o combustível possa entrar”, afirmou a porta-voz. Os combustíveis foram cortados pelas autoridades israelenses, sob argumento de que poderiam ser desviados ao Hamas. Israel acusa o grupo armado de manter o combustível, impedindo que chegue à população.

Por causa disso, apenas cinco das 24 padarias contratadas pelo Programa Mundial de Alimentos estão funcionando e fornecendo pão para os abrigos. As padarias, prestes a fechar as portas, estão enfrentando dificuldades, com longas filas formadas antes do amanhecer. O tempo médio de espera é de seis horas.

Em um contexto desolador, em que quase mil crianças estão mortas ou desaparecidas sob os escombros, 58 clínicas já deixam de funcionar em Gaza. Superlotados, os abrigos da ONU na região vivem sob tensão, escassez e violência.

De acordo com a ONU, os bombardeios israelenses por ar e terra “se intensificaram durante a noite em toda a Faixa de Gaza”. Na noite, os militares israelenses indicaram que atacaram 320 alvos, um aumento de três vezes em relação aos dias anteriores.

Dados atualizados da ONU dos 17 dias de conflito

  • 5.087 palestinos mortos, incluindo ao menos 2.055 crianças e 1.119 mulheres. O número é mais que o dobro do número total durante os 50 dias de hostilidades em 2014;
  • Cerca de 15.273 feridos;
  • Estão desaparecidas cerca de 1.500 pessoas, sendo ao menos 800 crianças, que podem estar presas ou mortas sob os escombros;
  • Desde 7 de outubro, 12 hospitais e 46 clínicas de atendimento primário em Gaza foram forçados a fechar devido aos danos sofridos ou à falta de eletricidade e suprimentos;
  • A OMS documentou 72 ataques a serviços de saúde na Faixa de Gaza, que resultaram em 16 mortes e 30 ferimentos em profissionais de saúde em serviço. Os ataques afetaram 34 instalações de saúde e 24 ambulâncias. Sem eletricidade, medicamentos e equipamentos, esses e outros hospitais estão à beira do colapso;
  • Cinco hospitais ergueram tendas em seus complexos para lidar com a superlotação. O hospital Shifa, o maior da Faixa de Gaza, está atualmente tratando cerca de 5.000 pacientes, muito acima de sua capacidade de 700 pacientes, e hospedando cerca de 45 mil pessoas;
  • Os estoques de medicamentos da ONU estão diminuindo drasticamente, com diferentes medicamentos disponíveis por mais 5 a 15 dias;

Além da escassez de combustível, o mau funcionamento dos geradores dificulta as operações dos hospitais. Sua manutenção e reparo são cada vez mais difíceis devido à falta de peças de reposição necessárias.

O ministério da saúde em Gaza solicitou o envio de equipes médicas internacionais, especialmente aquelas com experiência em cuidados cirúrgicos e de trauma. Há necessidade de aumentar a capacidade dos hospitais e aliviar os profissionais de saúde que têm trabalhado incansavelmente nos últimos 17 dias. As 14 equipes estrangeiras de prontidão são impedidas de chegar a Gaza devido ao cerco imposto por Israel.

Hospitais e abrigos estão em colapso em Gaza

A situação prejudica também os pacientes com insuficiência renalAté 7 de outubro, a autoridade de saúde operava serviços de diálise renal em seis centros, realizando cerca de 13.000 sessões por mês. Agora, sem combustível e suprimentos médicos essenciais, as sessões de diálise caíram de quatro para 2,5 horas para mais de 1.000 pacientes, incluindo pelo menos 30 crianças.

A estimativa é de que haja 1,4 milhão de deslocados em Gaza, dos quais 590 mil abrigados em 150 abrigos de emergência designados pela agência da ONU para Refugiados Palestinos (UNRWA). Há preocupação crescente com a superlotação, já que o número médio de deslocados internos por abrigo atingiu mais de 2,5 vezes a capacidade.

Bairros inteiros foram destruídos por Israel

O número de deslocados chegou a 4,4 mil em muitos abrigos, embora tenham sido projetados para receber de 1,5 mil a 2 mil pessoas. Em muitos desses locais, até 70 pessoas são acomodadas em uma sala de aula. Para garantir um ambiente mais seguro, à noite, mulheres e crianças permanecem nas salas de aula, enquanto homens e meninos adolescentes ficam ao ar livre, no pátio da escola. A superlotação e a escassez de suprimentos básicos provocaram tensões entre os deslocados internos, além de relatos de violência de gênero.

Segundo autoridades palestinas, 16 mil unidades habitacionais foram destruídas e outras 11 mil estão condenadas. Há também 142,5 mil que sofreram danos leves a moderados. Esses dados correspondem a pelo menos 43% de todas habitações na Faixa de Gaza, onde bairros inteiros foram destruídos.

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Redação: Cida de Oliveira, com portal UOL