Avós da Praça de Maio agradecem Unesco por premiar ‘trabalho de formiguinha’

Em entrevista à Rede Brasil Atual, avó Buscarita Roa dedica Prêmio da Paz à presidenta Cristina Kirchner, a quem atribui a prisão dos repressores da ditadura militar

Buscarita Roa, uma das ativistas que buscam informações sobre desaparecidos da ditadura argentina (Foto: Escritores por la Tierra/Reprodução)

São Paulo – As Avós da Praça de Maio consideram que ganhar o Prêmio da Paz, homenagem máxima concedida pela Unesco, é o reconhecimento do “trabalho de formiguinha” empreendido pela organização desde 1977.

Nessa sexta-feira (4), a agência das Nações Unidas para a educação e a cultura informou que as senhoras que lutam pela localização dos netos sequestrados pela última ditadura (1976-83) são as homenageadas. O prêmio já foi concedido a Lula, ao sul-africano Nelson Mandela e ao ex-presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter. 

Em conversa telefônica com a Rede Brasil Atual, Buscarita Roa, uma das avós, dedica a homenagem à presidenta Cristina Kirchner pelos esforços feitos para julgar os repressores do regime. Em 34 anos de trabalho, as avós conseguiram localizar 102 netos que haviam sido roubados pelos agentes das Forças Armadas.

A neta de Buscarita foi localizada em 2000 e, como muitos, havia sido adotada ilegalmente por militares. “Hoje temos uma relação muito linda, de muito amor”, resume a avó, que milita desde 1978, quando seu filho desapareceu. Aos 72 anos, continua trabalhando para que outras senhoras tenham a chance de localizar seus parentes. Para ela, o prêmio da Unesco é muito importante, mas nada substitui o prazer de recuperar a própria história. “Não há prêmio melhor porque cada um é um prêmio de todas as avós. Os que encontramos dividimos com quem não encontrou.”

Confira a seguir a entrevista. 

RBA – Quando souberam que haviam ganho o prêmio? De que maneira receberam a notícia?

Algumas avós estão de viagem. As que estamos aqui no país recebemos o aviso lá por uma, duas da tarde (de sexta). Foi com muita alegria porque é um prêmio muito importante, que foi recebido por personalidades muito importantes. Para nós é uma honra que tenham dado esse prêmio. Não estávamos tão esperançosas, na verdade nem o sabíamos. 

É muito bem-vindo porque nós há tantos anos trabalhamos com os direitos humanos, trabalhamos na busca por nossos netos. Parece que não, mas é um trabalho de formiguinha, não é fácil. Seguimos lutando. As avós estamos velhas, algumas estão muito velhas, doentes, debilitadas. É um alento à alma para as avós pela luta incansável que tivemos, com tanto respeito pelos demais, sem ódio nem rancor. É uma paz que as pessoas valorizam. Estamos contentíssimas. É uma honra para nós.

RBA – De alguma maneira é também um reconhecimento para todos os que lutam pelo resgate dos crimes da ditadura na Argentina.

É um reconhecimento para todos. Há um grupo muito grande de familiares, são mães, irmãos, tios. Tanta gente desapareceu. E tanta gente seguiu lutando porque a vida não é fácil quando se perde um familiar. É muito duro adaptar-se a viver sem um familiar, mais ainda se é um filho. Muita gente ficou pelo caminho.

Para quem ainda está nesta luta, é um alimento para a alma. Para a presidenta, que nos ajuda tanto, que nos acompanha nessa luta. Os avanços que tivemos devemos à presidenta, como levar a julgamento os militares, os que cometeram esses graves crimes de lesa humanidade. É uma luta de todos os órgãos. Todos lutaram juntos para poder recuperar a memória e ter sempre em conta que isso se faz com o resgate da memória.

RBA – O mundo se admira que sigam lutando depois de tantos anos. De onde sai a força para isso?

A força é levantar pela manhã e dizer que preciso ir para a sede das Avós e fazer o que se tem de fazer. Trabalhamos muito. Muita gente nos liga pedindo ajuda, vem gente de outros países para conversar, vem gente de colégios e universidades, vamos aos eventos. Estamos sempre trabalhando, viajamos. Sempre queremos dar a conhecer que com perseverança, com luta e com amor se pode conseguir as coisas. A verdade é que foi muito extensa a luta, já são 35 anos.

RBA – Esse prêmio renova a vontade de seguir adiante?

Não tanto quanto encontrar um neto. Os maiores prêmios que temos são encontrar um neto. O que mais valorizamos é encontrar um neto. Não há prêmio melhor porque cada um que se localiza é um prêmio de todas as avós. Os que encontramos dividimos com quem não encontrou. As que não encontraram seguem lutando para que possam encontrar. A verdade é que estamos contentíssimas, muito orgulhosas de que tenham premiado nossa luta.

RBA – Não faz muito estiveram com a presidenta Dilma Rousseff. O que ela lhes pediu?

Seguramente em algum momento vamos ao Brasil. Há um intercâmbio firmado e vamos ao Brasil para conversar, contar nossas experiências para que vejam o que fizemos ao longo de tantos anos. Não é só sair por aí buscando. Temos um banco de dados genéticos, um centro de psicologia. Estamos trabalhando muitíssimo por identidade. É um trabalho também em que nos acompanham artistas, muita gente boa da tarde. Nosso trabalho é de dia a dia. Saímos de nossa casa para fazer muitas coisas. Há gente que não consegue vaga na escola, que não sabe o que fazer com um filho viciado, e tudo isso chega a nós. Temos de ver como podemos fazer, porque não é nosso trabalho, mas não podemos deixar a pessoa na mão.