Escalada

Estados Unidos retiram pessoal e enviam 91 toneladas de armas à Ucrânia

Em choque de versões aos moldes da Guerra Fria, Washington acusa Moscou de uma iminente invasão ao país vizinho

Wikipedia/CC
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Armamentos letais enviados pelos EUA ao Exército da Ucrânia foram desembarcados na semana passada

São Paulo – Os Estados Unidos anunciaram nesta segunda-feira (24) a retirada de familiares dos seus diplomatas na Ucrânia. Além disso, informaram aos seus cidadãos que vivem no país que as tensões com a Rússia podem se deteriorar “sem aviso prévio”. Três dias antes, na sexta (21), a embaixada dos Estados Unidos em Kiev divulgou fotos da chegada de cerca de 91 toneladas de “armas letais”, incluindo munições, que foram entregues aos ucranianos. A alegação é reforçar as defesas do país diante da “crescente agressão”.

Com ares de Guerra Fria, a tensão entre Estados Unidos e Rússia vem aumentando nos últimos dias. Os estadunidenses acusam os russos de terem movido cerca de 100 mil soldados, além de tanques e veículos de combate para regiões próximas às fronteiras ucranianas.

Na semana passada, os Estados Unidos acusaram os russos de pretenderem invadir a Ucrânia “a qualquer momento”. Até mesmo o presidente Joe Biden chegou a dizer que o presidente russo, Vladmir Putin, teria se decidido pela ofensiva. “Meu palpite é que ele vai atacar.”

A investida ocorreria após uma operação de “bandeira falsa”. Tropas especiais russas se disfarçariam de soldados ucranianos num ataque contra o próprio país, para justificar a suposta invasão.

Na sequência, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, negou qualquer intenção desse tipo. “Vocês afirmam que nós temos a intenção de atacar a Ucrânia, por mais que nós já tenhamos explicado que isso não é verdade”, disse.

Tensões

De acordo com os norte-americanos, um dos cenários prováveis seria a anexação, pelos russos, de Donetsk e Lugansk. Trata-se de duas regiões de maioria russa que faziam parte do leste da Ucrânia. No entanto, desde 2014, Donetsk e Lugansk são reconhecidas como “regiões autônomas”, inclusive pelo próprio governo ucraniano. Apesar do acordo firmado em 2014, são constantes os atritos militares entre tropas e milícias ucranianas e tropas “rebeldes” das regiões autônomas. O temor é que a Rússia venha a fazer em Donetsk e Lugansk o mesmo que ocorreu na Crimeia.

Nesse sentido, de acordo com o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC Flávio Rocha, membro do Observatório de Política Externa da instituição, o governo ucraniano colabora para a escalada das tensões nessas regiões como forma de manter vivo o apoio dos Estados Unidos. Os russos, no entanto, exigem respeito ao Protocolo de Minsk, que oficialmente pôs fim ao conflito entre os ucranianos e os rebeldes das regiões autônomas. Apesar do avanço das tensões nos últimos dias, Rocha disse, em entrevista ao site Opera Mundi, que nem Rússia nem os Estados Unidos devem partir efetivamente para o uso da força.

‘Respeito’

Apesar do esforço estadunidense para reunir aliados ocidentais contra os russos, essa posição não é unânime. Durante o final de semana, o comandante da Marinha alemã, Kay-Achim Schönbach, renunciou ao cargo. Dias antes, em um vídeo no Youtube, ele disse que o que Putin realmente quer é “respeito”. “É fácil dar a ele o respeito que ele realmente quer e provavelmente merece”, disse o ex-comandante.

O que Putin exige, na verdade, é que a Ucrânia e a Georgia não sejam incorporadas à Organização do Tratado do Atlântico-Norte (Otan). Desde o fim da União Soviética e a dissolução do Pacto de Varsóvia, em 1991, a aliança ocidental avançou para incluir países que pertenciam à órbita de Moscou. Atualmente, países como Albânia, Bulgária, Croácia, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia, Eslovênia e Macedônia fazem parte da aliança liderada pelos Estados Unidos.

Nesse sentido, Putin e Lavrov exigem que os Estados Unidos se comprometam a deter esse avanço. Ucrânia e Georgia são a “linha vermelha” que os ocidentais não devem ultrapassar. Os russos receiam que mísseis nucleares ocidentais sejam colocados a minutos de Moscou. Como retaliação, eles chegaram a anunciar que poderiam ampliar a presença militar russa em Cuba e na Venezuela, por exemplo.

Disputa econômica

Por outro lado, como ocorreu em décadas atrás, as tensões entre Estados Unidos e Rússia também têm motivos econômicos por trás. Outrora a disputa se dava entre dois modelos de produção antagônicos – capitalismo e socialismo. Agora, a disputa passa pelo controle do mercado energético europeu. Mais especificamente, pelo mercado de gás alemão.

No epicentro da controvérsia geopolítica, está o gasoduto Nord Stream 2, que terá capacidade de fornecer 55 mil milhões de metros cúbicos de gás por ano à Europa. O polêmico gasoduto já foi oficialmente concluído, mas não começou a funcionar.

Com gás abundante e transporte mais eficiente, os russos teriam ampla vantagem em relação ao gás de xisto produzido pelos norte-americanos. “Não só o governo Trump, mas Biden também se opôs ao gasoduto. A hora que ele começar a funcionar pra valer, ele vai ser um calcanhar de Aquiles não só pra EUA e Europa, mas pra Ucrânia também”, Rocha. 

Não é por outra razão que, além da escalada militar, os estadunidenses ameaçam os russos com retaliações econômicas no caso de uma invasão à Ucrânia. O país, contudo, já vive sob sanções econômicas por parte dos Estados Unidos e da União Europeia desde 2014, quando houve a anexação da Crimeia. O golpe agora seria mais contundente. Os norte-americanos prometem banir os russos do Swift, o sistema internacional para transações financeiras. Irã, Cuba e Venezuela já foram excluídas desse clube.