Rumos da Europa

Os desafios de Olaf Scholz e do novo governo alemão

Além da quarta onda da covid-19, coalizão deve enfrentar tensões envolvendo a Rússia e os compromissos firmados na questão climática

Bundesregierung / Denzel
Bundesregierung / Denzel
Olaf Scholz e a ex-primeira ministra Angela Merkle: transição tranquila e desafios à mesa

São Paulo – Na quarta-feira (8), Olaf Scholz assumiu oficialmente o posto de primeiro-ministro da Alemanha, após 16 anos de Angela Merkel no cargo. Ele obteve 395 dos 736 votos dos deputados da Bundestag após sua legenda, o Partido Social Democrata (SPD), ser a mais votada nas eleições parlamentares de setembro, consolidando em seguida uma inédita união com os Verdes e o Partido Democrático Liberal (FDP).

E o novo governo já assume meio a uma crise sanitária, provocada pela quarta onda da covid-19 no país. Neste sábado (11), em entrevista ao jornal Bild, o presidente da Associação Alemã de Clínicos Gerais, Ulrich Weigeldt, antecipou que provavelmente o país terá que organizar uma campanha de vacinação orientada a uma quarta dose de reforço em 2022. Na sexta-feira (10), parlamentares germânicos aprovaram uma lei que torna a vacinação contra a covid-19 obrigatória para os profissionais de saúde.

O enfrentamento à covid-19 é uma das principais questões colocadas diante do novo governo, mas está longe de ser a única. “Os grandes desafios políticos são, em primeiro lugar, administrar a situação preocupante da pandemia, tentar baixar os níveis de infecção sem um bloqueio em grande escala e aumentar as taxas de vacinação”, aponta o codiretor do Aston Centre for Europe e presidente interino da Associação Internacional para o Estudo da Política Alemã, Ed Turner, à RBA. “Em segundo lugar, há obviamente preocupações com a atividade russa na fronteira com a Ucrânia. Existem algumas outras grandes questões não resolvidas: por exemplo, o governo planeja retornar a orçamentos amplamente equilibrados a partir de 2023, mas conseguir isso pode ser um dilema. Existem também questões importantes sobre a adesão da Polônia e da Hungria ao estado de Direito, e qual a posição da Alemanha em relação a eles.”

Movimentos de extrema direita na Alemanha atacam um possível retorno de medidas mais restritivas de circulação, como tem ocorrido em países vizinhos. Nas redes sociais, há mesmo ameaças por parte de grupos antivacina, como uma mensagem que circula no aplicativo Telegram apontando para a revelação de “informações pessoais de representantes locais, políticos e outras personalidades que nos prejudicam e promovem uma propaganda podre” a favor da imunização contra a covid-19.

“O governo tem algumas escolhas difíceis para fazer frente ao crescente número de casos, a variante ômicron e a adesão relativamente baixa à vacina na Alemanha. Há uma pressão crescente para um retorno a alguma forma de restrição e/ou mandato de vacinação. Ninguém tem certeza de como o governo vai reagir, ou como a mudança de eventos pode superá-lo”, diz,  em entrevista à RBA, o diretor do Centro de Estudos Alemães e professor associado de Estudos Alemães na Universidade de Waterloo, James M. Skidmore.

A questão ambiental

Outro tema sensível diz respeito à forma como o país vai se portar diante das mudanças climáticas e da necessidade se promover uma transição energética para fontes mais limpas. A discussão esteve em alta durante o processo eleitoral, o que ajudou o Partido Verde a alcançar o melhor resultado de sua história, credenciando sua entrada na nova coalizão governamental. Contudo, outra legenda que faz parte da aliança, os liberais do FDP, buscam evitar que as empresas arquem com o custo das alterações necessárias.

“Uma das coisas em que todas os três partidos parecem mais unidos é a necessidade de a Alemanha mudar o mais rápido possível para a neutralidade de carbono. Isso tem sido de particular preocupação para os verdes”, assinala o professor de História Internacional da Universidade Flinders, Matt Fitzpatrick, à RBA. “O SPD e os verdes gostariam de ver mais investimentos do governo, mas o preço da entrada do FDP na coalizão foi a exclusão do financiamento destes investimentos vir por meio de aumento de impostos de empresas e indivíduos com alta renda, o que desapontou muitos apoiadores dos outros dois partidos.”

O entendimento entre as legendas em relação à questão climática determinou também outras posições-chave na formação da coalizão do novo governo, como destaca a doutoranda em alemão e política na Universidade de Leeds, no Reino Unido, Chantal Sullivan-Thomsett, pontuando as disputas entre os líderes das duas agremiações aliadas do SPD, Robert Habeck e Christian Lindner.

“Lindner, do FDP, queria que o Ministério das Finanças apaziguasse seu partido pró-negócios, que não queria perder esta pasta, como ocorreu na coalizão CDU-FDP de 2009-2013, sob (Angela) Merkel. Mas, para implementar efetivamente as medidas de proteção do clima que os verdes desejam propor, é necessário financiamento, e esta foi a base para Habeck também querer as rédeas do Ministério das Finanças. Como vimos, o FDP conseguiu a pasta, e Habeck recebeu o compromisso de um chamado ‘superministério’ para a proteção do clima e a economia”, explica Chantal à RBA.

Pode haver um aumento das tensões ao longo do curso da coalizão em relação aos investimentos na proteção do clima não terem como única ou principal origem o Estado, envolvendo também o setor privado e empresarial. “O FDP estará sob pressão das empresas alemãs para que as reformas relativas à proteção do clima que afetam o setor privado não as sobrecarreguem, já que elas ainda buscam se recuperar dos danos econômicos causados ​​pela pandemia, enquanto os verdes e Habeck estão sob pressão de membros de seu partido e dos eleitores que desejam vê-los em ação no combate às mudanças climáticas. Haverá grandes expectativas de ambos os lados e esta é a tensão que deverá ser negociada por esta coalizão governista”, pontua Chantal.

O novo governo alemão e o ‘fator Rússia’

Em termos de política externa, a dificuldade mais evidente do novo governo alemão está nas relações com a Rússia. “Isso pode ser dividido em duas questões que, na realidade, estão relacionadas. A primeira é a questão da Ucrânia e se as tropas russas em suas fronteiras podem invadir o país vizinho, e o que isso pode significar para a Europa e a Otan”, aponta Matt Fitzpatrick. “O segundo é o gasoduto Nord Stream 2, que vai da Rússia à Alemanha. Isso é um ponto impopular entre os verdes e, na verdade, também entre outros partidos, porque vincula o futuro energético da Alemanha aos combustíveis fósseis e estabelece uma dependência em relação à Rússia.”

O gasoduto Nord Stream 2 é um megaprojeto construído sob o Mar Báltico e que pretende dobrar o fornecimento de gás russo para os germânicos. Em 16 de novembro, o órgão regulador do mercado de energia alemã afirmou que não poderia certificar a obra como uma operadora independente pelo fato de a empresa estar sediada na Suíça, e não na Alemanha. Em plena operação, o gasoduto deve enviar 55 bilhões de metros cúbicos de gás anualmente, o equivalente a cerca de 15% das importações anuais de gás da União Europeia.

“As pressões econômicas, especialmente relativas aos gasodutos da Rússia à Alemanha, vêm se acumulando há algum tempo. Mas, agora, a preocupação com as intenções da Rússia em relação à Ucrânia está começando a dominar a discussão sobre a melhor forma de lidar com o país”, observa James Skidmore. “Havia uma relativa unanimidade na política alemã quando a Rússia anexou a Crimeia e a proposta de Merkel de instituir sanções econômicas encontrou pouca resistência. Mas se a guerra no leste da Ucrânia aumentar e envolver hostilidades explícitas entre a Ucrânia e a Rússia, será um momento muito mais difícil para a coalizão alemã.”

O medo em relação a uma possível invasão da Rússia na Ucrânia é rechaçado pelo Kremlin, que nega planejar seu avanço ao país vizinho, acusando países do Ocidente de estarem presos a uma “russofobia”. Em comunicado divulgado neste domingo (12), o G7, grupo de países mais ricos do planeta, advertiu que Moscou enfrentará “graves consequências” no caso de uma ofensiva militar.

“Durante a última coalizão SPD-Verde, a Alemanha juntou-se à Otan em suas operações na ex-Iugoslávia, e essa intervenção ilustrou as profundas divisões entre os verdes (e em menor grau no SPD). Um novo conflito armado como Rússia-Ucrânia causaria sérias dificuldades para a coalizão”, diz Skidmore.

“É claro que o SPD e os verdes têm posturas diferentes em várias grandes questões de política externa, em primeiro lugar, a postura em relação à Rússia e também à China, com o SPD muito mais cauteloso do que os verdes. De certa forma, a agressão russa pode aproximá-los – se a Rússia agir de forma ultrajante, o SPD terá que aceitar que algumas consequências devem vir. Em última análise, embora os verdes detenham o Ministério das Relações Exteriores, a posição da Alemanha nas grandes questões será determinada pelo Scholz e pela chancelaria”, pontua Ed Turner.

Na divisão de ministérios, o da Relações Exteriores ficou com a ex-candidata dos verdes Annalena Baerbock, cuja atuação é tida como fundamental para os objetivos da legenda dentro da coalizão. “A política externa foi definitivamente levada ao centro nos primeiros dias do novo governo, devido à situação na fronteira com a Ucrânia. Sob Angela Merkel, a política externa alemã era guiada pela chancelaria, e não pelo Ministério das Relações Exteriores. Obviamente, isso também foi ajudado pelo proeminente perfil internacional que Merkel desfrutava em casa e no exterior”, diz Chantal Sullivan-Thomsett. “Scholz pode querer seguir esse modelo, ao passo que Baerbock e os verdes queiram direcionar a posição da política externa alemã como um meio tanto de seguirem a linha do ex-ministro das Relações Exteriores verde Joschka Fischer, como também para construir seu próprio perfil e mostrar sua competência entre o eleitorado indo além da questão do clima e temas ecológicos.”


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