Nações Unidas

Diplomacia brasileira cumpre mandato no Conselho de Segurança à espera de um novo governo em 2023

Para pesquisadora Miriam Saraiva, os diplomatas tentarão minimizar qualquer dano que Bolsonaro ainda possa fazer até o fim do ano

Eskinder Debebe/ONU
Eskinder Debebe/ONU
Apenas Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, China e Rússia são membros permanentes com poder de veto

São Paulo – No último ano do governo de Jair Bolsonaro, o Brasil passa a ocupar um assento em vaga rotativa, não permanente, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, para o biênio 2022-2023. A última vez em que o país ocupou o posto foi em 2010-2011, sob os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, quando o Brasil tinha voz importante na comunidade internacional. O Conselho de Segurança (CS) é formado 15 países com direito a voto. Mas apenas Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, China e Rússia, vencedores da Segunda Guerra, são membros permanentes. São os únicos que têm poder de veto. Esta é a 11ª vez que o Brasil ocupa a posição.

No período anterior em que ocupou uma vaga no organismo, o Brasil trabalhava pelos interesses de países em desenvolvimento e na busca pela paz. Hoje, após três anos do governo Bolsonaro, é visto por sua atuação desastrosa no meio ambiente, na pandemia e nos direitos humanos. Não são poucos os analistas que consideram que tais políticas não são, na verdade, desastrosas, mas, sim, fruto de um projeto de destruição bem sucedido e previamente pensado.

A gestão das Relações Exteriores teve sua fase mais crítica no período de Ernesto Araújo (2019-2021), um negacionista que defende ideias absurdas como a de que as mudanças climáticas são um complô orquestrado por marxistas. A “obra” de Araújo foi repleta de embates e ataques à China, o alinhamento automático do Brasil ao governo de Donald Trump, aproximação de Israel e afastamento de parceiros sul-americanos e do Mercosul.

Considerando a turbulência destrutiva da gestão de Araújo, a situação caminhou para relativa normalização com seu substituto, Carlos Alberto Franco França, a partir de 6 de Abril de 2021. Junto com o Brasil, eleito em junho do ano passado com 181 votos de 190 possíveis, entraram como membros não permanentes para o próximo biênio Emirados Árabes Unidos, Albânia, Gana e Gabão.

“Pequeno desperdício”

Na opinião de Miriam Gomes Saraiva, pesquisadora do departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a tendência é que o mandato brasileiro até o final do governo Bolsonaro seja cumprido “meio na inércia”, com os diplomatas que trabalham no Conselho de Segurança tentando minimizar ao máximo qualquer dano que Bolsonaro ainda possa fazer.

“Acho que vão levar poucas ideias para a presidência de Bolsonaro, prestar contas apenas do necessário, e ir tocando”, diz. “É um pouco o perfil do chanceler atual, Carlos França, de fazer as coisas meio quieto, evitar rusgas e ir tocando o menos mal possível.”

A nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores ao assumir a vaga, no início do ano, parece indicar uma nova postura. Segundo a pasta, o país terá como prioridades a “prevenção e a solução pacífica de conflitos, respostas humanitárias às crises internacionais”, e também “o respeito aos direitos humanos e a maior participação das mulheres nas ações de promoção da paz e da segurança internacionais”.

Para ela, o Brasil ir para o conselho sob Bolsonaro é um “pequeno desperdício”. Para um país, ter assento no órgão é importante, porque é um instrumento para fazer política e ter voz na ordem internacional. “O país se projeta, é uma oportunidade de angariar parceiros, formar consensos, levar sua opinião a um fórum de debates importantes. A diplomacia brasileira sempre gostou e aproveitou muito bem essas oportunidades”, acrescenta a professora.

Expectativas

A ideia da participação de países com menos poder geopolítico e econômico no Conselho de Segurança é que essas nações tivessem voz e levassem seus problemas e pontos de vista. Para isso, no caso do Brasil, reuniões com países da América do Sul, membros do Mercosul, discussão de ideias e possibilidade de fazer propostas é um “prato cheio” para a diplomacia.

“Mas o governo Bolsonaro não gosta de fazer isso. Tem alianças não com países, mas com governos de extrema direita, como a Hungria, que não tem nada em comum com o Brasil. Então o Brasil não vai conseguir fazer uso dessa oportunidade no momento. Em 2023, sim. Provavelmente o Brasil vai mudar de comportamento. É um mandato dividido em dois”, observa Miriam, de acordo com expectativas de que o atual chefe de governo brasileiro não se reeleja.

Episódio histórico. E anedótico

A propósito, a pesquisadora da Uerj comenta um episódio histórico, e quase anedótico, da história da diplomacia brasileira. A primeira Conferência Pan-americana, iniciativa dos Estados Unidos para incentivar o comércio com os países da América do Sul, foi realizada em 1889. “O país enviou uma delegação imperial, com posições contrárias aos vizinhos hispano-americanos”, conta.

“Mas, durante a conferência, foi proclamada a República, aqui no Brasil. Então, mandaram outra delegação que, por sua vez, mudou as posições de antes, buscando identidade e aliança com os vizinhos.” É mais ou menos o que se espera que aconteça a partir de 1° de janeiro de 2023, com um novo governo brasileiro, acredita Miriam Saraiva.

Leia também: Coronavírus desmascara Bolsonaro definitivamente na política externa e interna