Desafinado

Tribunal confirma que fitas originais de João Gilberto pertencem à gravadora

Turma do STJ decide por unanimidade negar recurso que pedia devolução dos masters dos três primeiros discos do artista, , que representaram o surgimento da Bossa Nova

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Primeiro disco, 'Chega de Saudade' (1959), foi divisor de águas na música brasileira

São Paulo – A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recursos e manteve com a gravadora EMI fitas masters originais gravadas pelo cantor João Gilberto no final dos anos 1950 e início dos 1960, que representaram o surgimento da Bossa Nova. Em julgamento de recurso especial (REsp 1.727.950), na tarde desta terça-feira (8), o relator, ministro Moura Ribeiro, negou o pedido dos advogados do espólio do artista, que pedia a devolução das fitas. A decisão foi acompanhada pelos demais integrantes da turma.

O longo processo, com várias idas e voltas, envolve os LPs Chega de Saudade (1959), O amor, o sorriso e a flor (1960) e João Gilberto (1961), além de um compacto em que o artista canta as músicas do filme Orfeu de Carnaval. Os representantes do cantor pediam a extinção dos contratos celebrados naquele período. De acordo com o STJ, manteve-se o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ): os fonogramas originais foram entregues à EMI por meio de contrato com o artista, e a gravadora ainda pode produzir LPs em vinil.

Nasce a Bossa Nova

João Gilberto chegou a ganhar processo de indenização por danos morais referente à remasterização não autorizada de um CD. E entrou na Justiça para reaver as fitas originais de seus três primeiros álbuns. O LP Chega de Saudade foi gravado no estúdio Odeon do Rio de Janeiro, entre 10 de julho de 1958 e 4 de fevereiro de 1959, conforme registra o pesquisador e escritor Zuza Homem de Mello na biografia Amoroso, lançada em 2020. Além da faixa título, composta por Tom Jobim e Vinícius de Moraes, tem clássicos como Lobo Bobo (Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli), Desafinado (Tom e Newton Mendonça), Rosa Morena (Dorival Caymmi), Aos pés da cruz (Marino Pinto e Zé Gonçalves) e É luxo só (Ary Barroso e Luiz Peixoto), em um total de 12 interpretações do baiano de Juazeiro, à época com 27 anos.

Seguiu-se um vaivém de decisões judiciais e recursos. A briga, somada a divergências familiares, consumiu energias de João Gilberto, que passou os 11 últimos anos de sua vida sem fazer shows. A última vez que ele subiu em um palco foi na sua Bahia, no Teatro Castro Alves, em Salvador, em setembro de 2008, como parte das comemorações pelos 50 anos da Bossa Nova. Entrou mais de uma hora atrasado, às 22h10, pedindo desculpas. E ainda emocionado pela morte de Dorival Caymmi, um mês antes.

Sempre na busca

Com problemas jurídicos e financeiros, João Gilberto foi ficando ainda mais recluso. E ficou devastado com a morte de Miúcha, sua ex-mulher, irmã mais velha de Chico Buarque. Eles têm uma filha, Bebel Gilberto. Foi uma das raras vezes em que João saiu: para ver Miúcha no hospital, onde ela lutava contra um câncer. Morreu em 27 de dezembro de 2018. O cantor se foi apenas seis meses depois, em 6 de julho de 2019, aos 88 anos.

O que se sabe é que João Gilberto mostrou ao mundo uma nova bossa de cantar e de tocar o samba, o baião, a marchinha, a valsa, o samba-canção, o foxtrote, o bolero, um hino, uma cantiga, escreveu Zuza. Nada, absolutamente nada, envelheceu. As 36 fixas de seus três primeiros discos contêm tudo que se precisa saber para entendê-lo (…). A vida enclausurada de João Gilberto foi constantemente incompreendida e criticada. Não se atestou porém que artistas excepcionais vivem à sua própria maneira, sempre na busca.