Cantos

Enquanto ‘retoca’ a Bossa Nova, Daniel da Costa lança trabalho à espera de outro país

Compositor paulistano, professor e ex-metalúrgico mostra trabalho autoral que mistura vivências

Divulgação
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Artista quer explorar a riqueza cultural do país, sem deixar de mostrar seus problemas

São Paulo – Paulistano da Sapopemba, periferia da zona leste, 57 anos, Daniel da Costa cantou na igreja, foi metalúrgico, mergulhou na música e investiu na formação acadêmica. E, como diz, segue sendo proletário. Essa mistura desemboca em trabalho, ainda em produção, com 27 composições – 14 em inglês, 12 em português e uma instrumental –, com destaque para Desta vez vamos sorrir. Canção (em parceria com Ricardo Gouvêa) que reflete a esperança em dias melhores para o Brasil, nestes tempos de troca de governo e de visão de país.

“Será que não é óbvio que acabar com a fome é prioridade?”, questiona Daniel sobre os primeiros pronunciamentos do futuro governo e as mazelas do atual. “Houve um desmonte do Estado, das políticas públicas. Uma coisa suicida.”

De metalúrgico a músico

O compositor, professor e teólogo carrega a vivência sobre o tema. Filho de migrantes baianos, que se estabeleceram na região do Pontal do Paranapanema, interior paulista, para a colheita de algodão, ele perdeu um de seus oito irmãos para a fome. Daniel conseguiu estudar, visando ser pesquisador. “Mas aí veio 2013, os 20 centavos, e depois veio 2016 e tivemos esse revival do pior que poderia nos acontecer”, recorda.

Ele também frequentou escola técnica de ajustador mecânico, aos 14 anos. Depois, trabalhou como ferramenteiro júnior. Aos 16, começou a estudar violão clássico e popular, migrando para a guitarra elétrica quatro anos depois – um de seus professores foi Mozart Mello, referência do instrumento. Também estudou harmonia e arranjo com Domingos Marciano Maldonado, ex-maestro da gravadora RCA Victor e do cantor Altemar Dutra. Dos 23 para os 24, largou a área metalúrgica e foi de vez para a música, tocando na noite e participando de vários projetos. Entre os músicos que acompanhou, estão Diana, da época da Jovem Guarda, os emboladores Caju e Castanha e Ana Rayo, que depois se tornaria Paula Fernandes.

Cultura plural

Daniel da Costa também se voltou para a área acadêmica, sempre no campo das humanas. Assim, bacharelou-se em Teologia e Filosofia (e posteriormente Pedagogia), além de mestrado e doutorado, tornando-se professor universitário. Mas a música sempre esteve presente. Sua trajetória passou pelo pop dos anos 1980, o pop rock da década seguinte, quarteto de jazz. Daniel também teve de superar um trauma nos tímpanos que o levou a perder 30% da audição.

Depois disso, ele, com vários parceiros (em especial com o escritor e filósofo Ricardo Gouvêa, que mora no Canadá), começou a compor as canções que fazem parte do atual projeto, Retocando a Beleza da Bossa Nova. Termo intencionalmente dúbio, lembra o autor: retocar tanto pode ser “tocar de novo”, como “dar um retoque”, no sentido autoral. “Colocar a nossa digital”, explica Daniel. Nesse sentido, o artista diz ter a preocupação de transmitir “uma imagem positiva, plural, alegre, democrática e criativa do nosso povo e país, que é a imagem que o mundo inteiro sempre teve de nossa linda, plural e rica cultura brasileira”.

Para Bruno e Dom

Ao mesmo tempo, as obras incluem ainda preocupação social. Para ele, às vezes a criação artística revela falta de vivência. “Eu penso que isso seja devido à sociedade individualista que vem crescendo desde os anos 90. Isso levou a uma ruptura geracional, quebrou os elos. Isso é ruim para o desenvolvimento social do país. Se não há troca de informações, você tem uma cultura volátil, passageira.”

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Assim, a primeira faixa do repertório é Adeus à maloca, (de Daniel da Costa e Carlos Augusto Gonçalves), feita há dois anos, que narra a invasão de uma tribo indígena. Posteriormente, Daniel assistiu a um vídeo, que se tornaria famoso, com um canto do indigenista Bruno Pereira, que “encaixou” em sua composição. Com isso, tornou-se uma canção solidária aos povos originários em homenagem a Bruno e ao jornalista inglês Dom Philips.