de alma lavada

Viradouro é campeã do Rio com samba sobre mulheres, escravidão e resistência

A escola de samba de Niterói Unidos do Viradouro foi campeã com um enredo sobre mulheres lavadeiras escravizadas

Dhavid Normando | Riotur
Dhavid Normando | Riotur
Muito amor por esta escola, levamos o título depois de muitos anos. A festa não tem hora para acabar em Niterói", disse o presidente da escola, Marcelinho Calil

São Paulo – A Unidos do Viradouro, escola de samba de Niterói, é a campeã do carnaval do Rio de Janeiro. A disputa foi acirrada e com reviravoltas. A apuração, no final da tarde desta quarta-feira (26), terminou com empate com a Grande Rio, na pontuação.

A escola foi premiada por seu enredo que trouxe a história de lavadeiras escravizadas no século 19 – e levou o título por ter melhor pontuação no quesito evolução, o segundo no critério de desempate, já que no primeiro, harmonia, também houve igualdade nas notas válidas. Estácio de Sá e União da Ilha do Governador foram as rebaixadas.

“Estamos de alma lavada. Essa escola merecia”, disse Tarcísio Zanon, carnavalesco da escola. “Muito amor por esta escola, levamos o título depois de muitos anos. A festa não tem hora para acabar em Niterói”, completou o presidente da escola, Marcelinho Calil. É a segunda vez que a Viradouro é a campeã do Carnaval do Rio – venceu também em 1997.

A força da mulher negra foi o tema do samba que mostrou lavadeiras de Itapuã, na Bahia. Mulheres escravizadas que vendiam comida e lavavam roupas na Lagoa do Abaeté, em Salvador. Com o dinheiro, compravam a liberdade de outras mulheres escravizadas.

O samba-enredo de Dadinho, Fadico, Rildo Seixas, Manolo, Anderson Lemos, Carlinhos Fionda e Alves fala do grupo musical baiano que surgiu dos cantos, danças, crenças e da força daquelas lavadeiras.

Ora yê yê o oxum! Seu dourado tem axé
Fiz o meu quilombo no Abaeté
Quem lava a alma desta gente veste ouro
É Viradouro! É Viradouro!

Levanta preta que o Sol tá na janela
Leva a gamela pro xaréu do pescador
A alforria se conquista com o ganho
E o balaio é do tamanho do suor do seu amor

Confira clipe da campeã do Carnaval do Rio

Carnaval politizado

Faltando apenas um quesito para o fim da votação, Viradouro, Grande Rio e Beija-Flor estavam empatadas em pontos. Seguindo o critério de desempate, em que valem mais os últimos quesitos, Viradouro já passou do penúltimo (evolução) para a última (harmonia) votação como campeã.

No primeiro quesito, fantasia, o favoritismo de Viradouro, Mocidade, Grande Rio e Beija-Flor de Nilópolis começou a se concretizar. A disputa foi acirrada e com reviravoltas. União da Ilha do Governador e Unidos da Tijuca começaram penalizados com 0,1 ponto, por atraso no desfile e excesso do uso de tripés, respectivamente.

Mangueira, Mocidade Independente de Padre Miguel e Beija-Flor se destacaram no samba-enredo, com votação perfeita.

O teor crítico do samba da Mangueira foi um dos grandes destaques deste carnaval. A agremiação trouxe uma visão moderna de Jesus Cristo, como mulher, negro, índio e periféricos. A vida de Cristo ainda teve uma votação impecável no quesito enredo.

Intitulado A Verdade vos fará Livre, o samba da Mangueira fez críticas à repressão policial, ao genocídio da população negra periférica, entre outros temas relevantes.

O presidente Jair Bolsonaro também foi criticado na letra do samba, o que despertou críticas do próprio chefe do Executivo e de bolsonaristas radicais. “Cristo levando batida policial. Faz uma vinculação comigo (…) desacatando religiões”, escreveu o presidente.

Já a Mocidade fez uma grande homenagem a uma das maiores sambistas e cantoras do Brasil, Elza Soares. O samba Elza deusa Soares levantou a torcida. “É sua voz que amordaça a opressão”, cantavam mulheres do carro de som, entonando um samba que exaltou a luta feminista de Elza. No quesito enredo, que analisa como a história foi contada na avenida, a Mocidade também teve uma votação expressiva.