Racismo estrutural

STF começa a apreciar se provas obtidas por abordagens racistas de policiais são válidas

STF julga ‘habeas corpus’ de homem negro encontrado com pequena dose de cocaína. Policiais admitiram abordagem justificada pela cor da pele

Tomaz Silva/EBC
Tomaz Silva/EBC
"Estamos presentes atuando em defesa do direito de locomoção, livre de constrangimento, de homens negros", disse advogada

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a analisar um caso que pode fechar o cerco contra abordagens racistas de policiais. A Corte analisa um habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em favor de um homem negro flagrado com 1,53 grama de cocaína. A Justiça condenou o rapaz por tráfico de drogas, apesar da quantidade pequena do entorpecente. Os policiais, em juízo, admitiram que o abordaram porque ele é negro.

Agora o Supremo analisará a validade de provas obtidas por abordagens policiais baseadas em racismo. As ciências criminais chamam a atitude dos servidores de “filtragem racial” ou “perfilamento racial”. Trata-se de mais uma face do racismo estrutural, que pode configurar discriminação e racismo. Após a decisão do tribunal, deve-se criar o entendimento de que essas provas são inválidas.

A advogada Ágatha Regina Abreu de Miranda, da Coalizão Negra por Direitos, falou durante a abertura dos trabalhos como amicus curiae. Sua função foi de auxiliar os ministros ao fornecer informações relevantes sobre o tema. “Estamos presentes atuando em defesa do direito de locomoção, livre de constrangimento, de homens negros com ‘a cara do enquadro'”, disse. “Arrisco afirmar que, se não estivéssemos presentes aqui, talvez estaríamos sendo abordados arbitrariamente pela polícia ou sofrendo algum tipo de racismo que vivenciamos cotidianamente”, completou.

Racismo e prova ilícita

“Aqui estão pessoas negras em defesa dos direitos humanos e constitucionais. Pleiteamos à Suprema Corte a prática coerente dos nossos princípios constitucionais. Nos deixem viver em paz. Neste habeas corpus, tratamos do perfilamento racial e os dados evidenciam que a polícia vigia com mais rigor a população negra. Dados da pesquisa Segurança da População Negra, da FGV, evidenciam que a origem das abordagens policiais tem viés racial e, ainda, que o perfilamento racial não é resultado da rotina da polícia, mas também das decisões judiciais”, finalizou a advogada.

Inicialmente, a primeira instância condenou o homem a sete anos e 11 meses. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduziu a pena para dois anos e 11 meses. Em 2022, a sexta turma da Corte proferiu entendimento de que “revista pessoal baseada em atitude suspeita é ilegal”. O entendimento dos magistrados encontra amparo legal. O Código de Processo Penal (CPP), em seu artigo 244, define que o “enquadro” precisa de “fundada suspeita”, ou seja, indícios claros e fundamentados que evidenciem a exigência da ação policial. Já o artigo 157 do mesmo código entende que a prova ilícita implica em nulidade do processo.

Visão contrária

A última a falar no dia de hoje foi a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo. A representante da Procuradoria Geral da República (PGR) é suspeita de vínculos com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e com a extrema direita. Ela já atuou uma série de vezes para tentar livrar Bolsonaro de investigações criminais. Agora, desta vez, Lindôra defendeu que “vossas excelências não estão a julgar neste momento um problema social”.

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Ela ponderou que “o racismo existe, assim como todos nós sofremos racismo, como nos Estados Unidos. Chegamos em outros países. Em Portugal também. Não é um privilégio do Brasil. Mas não podemos esquecer que a droga é droga e é prejudicial em qualquer lugar (…). Então, estava com droga e vendia a droga. Ela não foi parada porque estava do lado de um carro e era preta. A polícia sabia que era um local de venda de drogas. Não foi passar por um negro e parar. São Paulo, como Rio de Janeiro, Porto Alegre, tem locais conhecidos, até que mudam de lugar”.

A Corte retoma a discussão na próxima sessão. O ministro Edson Fachin chegou a brincar com a complexidade do tema e disse que seu voto terá “apenas uns 45 minutos”.