'Prove sua inocência'

Podcast conta histórias de pessoas presas injustamente

Novo podcast da ‘Ponte Jornalismo’ promove um debate sobre os abusos cometidos pela justiça criminal. A primeira temporada conta a história de sete jovens negros e moradores da periferia presos e até mesmo condenados por crimes que não cometeram

André Porto/Ponte Jornalismo/Divulgação
André Porto/Ponte Jornalismo/Divulgação
O "Prova Sua Inocência" já está disponível nas plataformas digitais como Spotify, Deezer e Google Podcasts

São Paulo – Imagine a seguinte situação: você está ouvindo música em casa, passeando com seu cachorro pela vizinhança ou descansando depois de um dia de trabalho, quando a polícia chega até você e te dá voz de prisão, mesmo você sendo inocente. Infelizmente casos assim são reais e mais comuns do que se imagina. E são essas histórias que o podcast “Prove Sua Inocência” se dedica a contar. Fruto da parceria entre a Ponte Jornalismo e a Fundação Heinrich Böll, o projeto debate sobre os abusos cometidos pela Justiça Criminal contra pessoas presas injustamente. 

Ao longo de seis episódios, o podcast traz o depoimento das vítimas e de suas famílias. E conta ainda com a fala dos atores do sistema de justiça que convidam o ouvinte a analisar a origem das falhas do sistema. Entre eles, uma delegada, um policial militar aposentado e uma desembargadora.

Jornalista responsável pela apuração e apresentação do “Prove Sua Inocência”, Maria Teresa Cruz comenta sobre os pontos em comum das histórias. Entre eles, está o fato de todos os personagens serem jovens, negros e moradores da periferia. “A gente queria contar a história de pessoas que tivessem sido presas pelos dois crimes que mais encarceram no Brasil: o tráfico de drogas e o crime ao patrimônio, que é o roubo e o furto. Com esse filtro, por assim dizer, a gente passou primeiramente a ir atrás dessas histórias. Fizemos uma primeira triagem de mais de 10, e começamos a procurar pelos personagens e chegamos a essas sete histórias”, explica. 

Reconhecimento irregular

Uma delas aborda o caso de Lennon Seixas Vieira da Silva, de 28 anos. Era um segunda-feira, 4 de janeiro deste ano, quando ele decidiu encontrar pessoalmente um de seus melhores amigos que fazia aniversário na data. Lennon conversava na calçada com ele e outro amigo, quando o grupo foi abordado pela polícia. Os agentes perseguiam um carro suspeito de ter cometido um sequestro relâmpago e um assalto no Jardim São Luís, zona sul de São Paulo. 

Na ocasião, um dos policiais tirou uma foto de Lennon e foi embora. Horas depois, ele foi novamente abordado enquanto passeava com seu cachorro pelo bairro. Dessa vez, a polícia afirmava que a vítima do assalto e do sequestro tinha reconhecido o jovem pela fotografia que o agente havia tirado na primeira abordagem. O jovem foi levado ao 47º Distrito Policial (DP) do Capão Redondo, também na zona sul, junto a outros dois amigos. No local, a vítima apontou os três como autores dos crimes com base em um reconhecimento irregular. 

“Quando eu cheguei na 47, a vítima já se encontrava e fui reconhecido por dentro da viatura. Na hora do reconhecimento dentro da delegacia, a vítima estava acusando três jovens negros e no caso colocaram só eu e meus amigos, não colocaram outras pessoas. Não existe isso, a vítima estava acusando três negros e colocaram apenas três jovens. (…) Eu fiquei preso dentro de uma cela com 42 detentos, mais da metade era forjado, (preso) por engano. Se eu morasse no Leblon ou no Morumbi eu ficaria pelo menos numa cela à parte ou nem estaria passando por isso”, lamenta. 

A luta por justiça

Lennon ficou preso por 40 dias. Do lado de fora a família travava uma luta incansável para provar a inocência do jovem. Depois de muita mobilização, inclusive indo às ruas, de casa em casa, o pai de Lennon, Junior César Vieira da Silva, conseguiu a imagem da câmera de segurança de uma das residências da vizinhança que provava a inocência do filho e dos amigos. Apenas no dia 10 de fevereiro Lennon foi libertado.

“Eu bati de porta em porta. Onde eu via uma câmera no bairro, eu batia na porta. Eu dizia para as pessoas ‘me ajuda, sou pai de um inocente que está sendo detido, caluniado. E a única coisa que eu posso fazer agora, se você me ajudar com essa imagem para tirar meu filho da cadeia, é beijar seus pés’. Eu sentei numa calçada e comecei a chorar e passou um jovem perguntando se eu era o pai do Lennon. Eu respondi que era e ele disse que tinha uma imagem que poderia me ajudar”, conta Junior.

O vídeo era de duas casas ao lado de onde ele e os amigos tinham sido abordados. “Nessas imagens dá para ver os policiais tirando foto do meu rosto e me liberando depois. O horário que sou liberado a vítima ainda estava em poder dos sequestradores. Nem queixa ela tinha feito do sequestro”, detalha. Lennon ainda vai responder em liberdade. A audiência, que estava prevista para acontecer em novembro, foi remarcada para março de 2022. 

Outras histórias

Além desse caso, o “Prove Sua Inocência” também conta histórias de outras vítimas que não tiveram o mesmo destino de Lennon. Essa é a situação de Jonatas Barbosa dos Santos, condenado a 16 anos e um mês. Já Joel Rodrigues Nascimento e Jonathan Santana Macedo ainda estão presos. 

Segundo a jornalista Maria Teresa Cruz, o podcast tem como proposta trazer esses casos a público, mas também colaborar para uma mudança no sistema de justiça criminal. “A gente tem também claro um sonho e desejo de que haja alguma transformação para a vida dessas pessoas”, destaca.

O “Prova Sua Inocência” já está disponível nas plataformas digitais como Spotify, Deezer e Google Podcasts. 

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