Afeto e consciência

‘Relacionamento aberto’ e ‘poliamor’ ganham adeptos em tempos de internet, mas práticas são antigas

Nomenclatura passou a ser difundida a partir de 1972, quando o casal de escritores George e Nena O’Neill lançaram, nos Estados Unidos, best-seller sobre o tema

Cottonbro Studio / Pexels
Cottonbro Studio / Pexels
Movimento do poliamor, ainda novo na história da humanidade, tem se intensificado nos últimos anos, sobretudo com o advento da internet

Jornal da USP – São muitas as formas de se relacionar amorosamente, o que fica mais nítido com a presença constante das redes sociais na vida de boa parte da população. Uma das mais faladas nos últimos tempos envolve a não exclusividade a somente um parceiro amoroso. Entretanto, muitas pessoas acreditam que os termos mais falados, como poliamor e relacionamento aberto, são a mesma coisa.

De acordo com Antônio Cerdeira Pilão, pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da USP e autor de um livro que fala sobre poliamor, cada termo tem sua particularidade e, embora tenham se popularizado recentemente, essas são práticas antigas.

“Poliamor se diferencia do relacionamento aberto na medida em que é uma palavra que se refere não apenas à possibilidade de se envolver sexualmente com mais de uma pessoa, mas afetivamente. A necessidade da utilização do termo poliamor é o fato de que nenhum outro modelo de relação anterior deixava claro que se acreditava e se almejava viver mais de um relacionamento amoroso ao mesmo tempo, porque, no conceito de relacionamento aberto, a possibilidade normalmente é casual, sexual e pontual, não amorosa e conjugal, como é no poliamor.”

Além disso, o especialista afirma que a principal diferença entre as duas palavras está no fato de que “a poligamia, normalmente, se refere a casamento e que, principalmente, não são ambas as pessoas, homens e mulheres, que podem estabelecer mais de uma relação ao mesmo tempo”. Pilão ainda destaca que a nomenclatura sofre divisões ainda mais profundas. “Normalmente, a poligamia é subdividida em dois conceitos: poligenia, quando é um homem que pode se casar com mais de uma esposa, e poliandria, quando é uma mulher. Essa junção de poliginia e poliandria não só é rara do ponto de vista histórico, mas também, normalmente, o termo poligamia foi utilizado para se referir à poligenia, que é o mais comum, mais difundido ao longo da história, nas mais variadas sociedades.”

A origem

Embora pareça muito recente, por conta do debate nas redes sociais, as práticas do poliamor e do relacionamento aberto remontam a tempos mais distantes. Já a nomenclatura passou a ser difundida a partir de 1972, quando o casal de escritores George e Nena O’Neill lançaram, nos Estados Unidos, o best-seller Open Marriage: A New Life Style for Couples. Algumas referências a esse estilo de vida ganharam destaque na cultura popular, como na série That ‘70s Show, que foi ao ar entre 1998 e 2006 e retratou, de forma caricata e bem humorada, a vida em uma pequena cidade norte-americana nos anos 1970. No seriado, os personagens Bob e Midge Pinciotti se destacavam por práticas pouco comuns no casamento, como o relacionamento aberto.

“A partir dos anos 70 que o conceito começa a ser mobilizado para se referir a uma abertura de relação de um casal, mantendo a estrutura dominante, pensado como uma unidade amorosa e conjugal. O poliamor é um termo, uma palavra que tem uma história: surge no início dos anos 90, nos Estados Unidos, para se referir à possibilidade de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo e manter relações acordadas entre todas as partes”, acrescenta Pilão.

Leia também: Base do governo adia proposta bolsonarista de fim do casamento homoafetivo

O especialista também analisa os tempos atuais e pontua que o movimento do poliamor, ainda novo na história da humanidade, de fato tem se intensificado nos últimos anos, sobretudo com o advento da internet a uma grande parte da população. “Essas identificações, como não-monogâmico e poliamoroso, ganharam ímpeto atual que não tinham com a mesma ênfase em outras gerações. Não é para dizer que o debate é absurdo, absolutamente novo, mas ganha uma visibilidade, um alcance e uma adesão. O número de pessoas que vivencia relações não exclusivas consentidas é maior hoje, indiscutivelmente, do que era em outros períodos”, conclui.


Com reportagem de Hugo Luque para o Jornal da USP, com orientação de Ferraz Jr.