Pela vida

Após Rosa Weber votar pela descriminalização do aborto, Barroso interrompe julgamento

A relatora do caso ressaltou a questão de saúde pública e destacou que o procedimento seguro desvela o “véu da discriminação fundada no gênero”. Já o ministro Luis Roberto Barroso pediu que a legalização do aborto até a 12ª semana de gestação seja analisado no plenário presencial

Carlos Moura/SCO/STF
Carlos Moura/SCO/STF
"A descriminalização, por outro lado, ao permitir procedimentos seguros à integridade física da mulher, igualmente desvela o véu da discriminação fundada no gênero", defendeu Rosa Weber

São Paulo – A presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, votou nesta sexta-feira (22) a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. A ministra é relatora de uma ação apresentada pelo Psol em 2017 que questiona na Corte a constitucionalidade da criminalização da interrupção voluntária da gravidez. E oficializou sua posição contrária à criminalização no plenário virtual da Corte.

Após a posição de Weber, o ministro Luís Roberto Barroso fez um pedido para que o caso seja julgado no plenário presencial. Por conta do destaque, o julgamento foi suspenso e ainda não tem uma nova data definida para que a análise seja retomada. Essa é uma das ações que a presidenta do STF fazia questão de pautar antes de se aposentar compulsoriamente, em 2 de outubro. O voto deverá ser preservado mesmo após sua saída. 

Em sua justificativa de 103 páginas, inserida no sistema eletrônico, a ministra destacou estudos que mostram que a criminalização não é uma política adequada para resolver os problemas que envolvem o aborto. De acordo com ela, a chamada “justiça social reprodutiva, fundada nos pilares de políticas públicas de saúde preventivas na gravidez indesejada, revela-se como desenho institucional mais eficaz na proteção do feto e da vida da mulher”.

Um voto pela saúde pública

Ao reconhecer o aborto como um problema de saúde pública, Rosa Weber também listou dados de mortalidade feminina causados por procedimentos atualmente realizados sem segurança. A ministra ainda chamou atenção para as pesquisas que indicam que as mulheres negras e de baixa renda são colocadas em maior desvantagem e vulnerabilidade. Principalmente diante da criminalização da interrupção da gravidez voluntária.

“Ainda, cumpre assinalar que abortos inseguros e o risco aumentado da taxa de mortalidade revelam o impacto desproporcional da regra da criminalização da interrupção voluntária da gravidez não apenas em razão do sexo, do gênero, mas igualmente, e com mais densidade, nas razões de raça e condições socioeconômicas. O argumento da interseccionalidade assume ponto de relevância no discurso jurídico sobre a criminalização do aborto, na medida em que descortina todos os véus da discriminação estrutural que assola a sociedade brasileira e suas instituições, públicas e privadas”, pontuou.

A presidenta do STF lembrou em seu voto que as mulheres foram silenciadas dessa discussão que se arrasta por mais de 70 anos. Rosa Weber marcou também sua posição contrária ao machismo estrutural da sociedade que defende a liberdade sexual do homem. Mas criminaliza as decisões femininas que dizem respeito às suas próprias vidas.

Direito à decisão e escolha

“Tanto que pouco – ou nada – se fala na responsabilidade masculina na abordagem do tema. E mesmo nas situações de aborto legal as mulheres sofrem discriminações e juízos de reprovação moral tanto do corpo social quanto sanitário de sua comunidade”, observou em seu voto. Diante desse quadro, a ministra considerou que a descriminalização, ao permitir procedimentos seguros à integridade física da mulher, “igualmente desvela o véu da discriminação fundada no gênero, ao redirecionar o investimento para políticas de direitos reprodutivos e sexuais”.

“Isto é, em políticas de modernos sistemas de contracepção, saúde com informação adequada, com apoio psicológico e estrutura no planejamento familiar”, completou. Rosa Weber também rebateu as críticas de que o Supremo não poderia julgar essa pauta. “Não pode o Supremo Tribunal Federal, segundo penso, furtar-se ao dever de fazer valer a Constituição da República diante de ato do Poder Legislativo materializador de escolha política que, ao sacrificar os direitos fundamentais das mulheres protegidos pela Constituição, ingressa em terreno que lhe fora interditado”.

Além disso, para a ministra, cabe ao Estado atuar para garantir correções de vulnerabilidades que impedem o efeito exercício do direito à vida, que não se restringe ao nascimento.

O caso

O voto favorável à descriminalização por parte da relatora já era esperado. Mas a posição do Plenário do STF ainda é uma incógnita. A avaliação do Psol, autor da ação, é que a atual legislação sobre o tema viola os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da não discriminação. A legenda questiona a criminalização prevista nos artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940. E reforça que “o aborto faz parte da vida de muitas mulheres brasileiras”.

O partido diz ainda que é mentirosa a alegação de que a descriminalização banaliza e aumenta o número de abortos. Em vários países em que o aborto foi legalizado, o resultado é o contrário: há uma tendência de redução do número de interrupções voluntárias da gravidez após a descriminalização.

Atualmente, o país conta com uma legislação proibicionista, que prevê a interrupção legal apenas em casos de gravidez após estupro, quando há risco de morte da mãe e em casos de feto com anencefalia (presença de graves malformações ou falta de estruturas do cérebro). Dados da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021 mostram, porém, que o aborto é uma realidade no país. Pelo menos uma em cada sete mulheres com idade próxima de 40 anos já realizou pelo menos uma vez o procedimento. Sendo que 43% delas tiveram que ser hospitalizadas para finalizar a interrupção voluntária da gestação.

Redação: Clara Assunção