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Caso Genivaldo: PRF volta atrás em sigilo de 100 anos e libera histórico de agente

Polícia Rodoviária Federal concedeu acesso a procedimentos administrativos contra o agente Kleber Nascimento Freitas. PRF havia imposto sigilo sobre histórico dos servidores envolvidos na morte de Genivaldo de Jesus Santos

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Nesta terça (28), o Senado aprovou convocação do ministro da Justiça para dar explicações sobre o sigilo imposto pela PRF nos processos dos agentes envolvidos na morte de Genivaldo

São Paulo – Após negar o acesso à integra dos processos administrativos já concluídos dos agentes envolvidos na morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, em Umbaúba (SE), e impor sigilo de 100 anos sobre os autos, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) voltou atrás da decisão e concedeu acesso a extratos de três procedimentos administrativos contra o servidor Kleber Nascimento Freitas. Ele é um dos três agentes identificados pela corporação como os responsáveis por transformar o camburão em “câmara de gás” após detonar, dentro da viatura, uma bomba de gás lacrimogêneo e levar Genivaldo à morte. 

Além dele, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia são apontados na ação. Já os agentes Clenilson José dos Santos e Adeilton dos Santos Nunes assinaram o boletim, mas não participaram da abordagem, segundo a PRF.

A divulgação atendeu a um pedido do portal Metrópoles, que, via Lei de Acesso à Informação (LAI), havia solicitado a quantidade, os números dos processos administrativos e o acesso à integra dos autos já conclusos dos cinco servidores que assinaram o boletim de ocorrência policial sobre a abordagem. Em nova resposta, o diretor-geral da PRF, Silvineu Vasques, informou que Kleber Nascimento foi alvo de quatro processos disciplinares. Três foram concluídos e um está em andamento.

O que foi liberado

Um deles é de 2009 e trata da suspensão para servidores que, no exercício das funções, deixaram de renovar os exames da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). O segundo, de 2010, diz respeito a suspensão por um dia por dano a veículo retido na área do posto PRF. O terceiro é um processo de 2012 que aponta suspensão por dois dias por boletim de acidente não inserido no sistema BR-Brasil. A íntegra dos documentos não foi liberada porque, segundo a corporação, estão em mídia impressa. 

“Assim, para concessão do acesso aos autos, seriam necessários seus desarquivamentos, digitalização para, somente então, tratamento das informações e fornecimento da cópia ao solicitante”, alegou a Polícia Rodoviária Federal. A reportagem disse ter recorrido da decisão para que os documentos sejam digitalizados e entregues. 

Não há processos administrativos concluídos contra os outros quatro policiais, indicou a corporação. Na resposta anterior, divulgada na semana passada, a PRF havia negado o acesso aos processos alegando que cabia ao órgão “assegurar a proteção da informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual restrição de acesso”. Ao se justificar, a corporação usou trechos da própria LAI e do Decreto 7.724/2012 para defender que a exposição dos autos configuraria “conduta ilícita de divulgação de informação pessoal”. Na prática, a definição de “informações pessoais”, no texto da legislação, permite restringir o acesso pelo prazo máximo de 100 anos. 

Leia mais: Polícias de 11 estados são acusadas de usar ‘câmara de gás’ como a que matou Genivaldo

Pressão da sociedade 

A nova decisão veio na esteira da repercussão negativa na sociedade civil sobre o sigilo imposto pela PRF. O que levou a manifestações de parlamentares e entidades ligadas à transparência que apontaram que, no caso de ações relativas à conduta profissional de servidores, qualquer cidadão poderia consultar os processos administrativos disciplinares, caso tenham sido concluídos. O mesmo entendimento também é previsto, desde 2016, pela Controladoria-Geral da União (CGU). 

O Ministério Público Federal também abriu procedimento para investigar a classificação de “informação pessoal” imposta aos processos dos agentes envolvidos na morte de Genivaldo. A investigação analisa se a medida pode estar sendo tomada pela PRF como obstáculo para o fornecimento de informações de interesse público, contrariando a LAI e a Constituição Federal. “Não é toda e qualquer informação pessoal que está sob proteção. As informações pessoais que devem ser protegidas são aquelas que se referem à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem”, destaca o MPF na ação. 

Ontem (28), a Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Defesa do Consumidor (CTFC) do Senado aprovou requerimento para convocação do ministro da Justiça, Anderson Torres, para explicar a imposição do sigilo sobre os processos dos policiais envolvidos na morte de Genivaldo. A data da sessão ainda não foi confirmada. “É necessário que o ministro da Justiça, a cuja pasta qual está vinculada a PRF, presencialmente esclareça os motivos que levaram à PRF a negar acesso à integralidade dos autos”, observou o senador Fabiano Contarato (PT-ES), autor do requerimento.

Família teme esquecimento 

A morte de Genivaldo ocorreu há um mês, no dia 25 de maio. O homem negro, diagnosticado com esquizofrenia, estava trancado e algemado no porta-malas do veículo da PRF após ser detido por trafegar de moto sem capacete. Segundo laudo do Instituto Médico Legal (IML), o óbito ocorreu em decorrência de asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda. 

O uso abusivo de gás lacrimogênio e de pimenta em ambiente fechado é totalmente contra as normas nacionais e internacionais de uso progressivo da força. No último dia 21, a Polícia Federal (PF) pediu ao Ministério Público de Sergipe mais 30 dias para concluir o inquérito que apura a morte de Genivaldo. Em entrevista ao Brasil de Fatoa advogada Monalisa Batista, que atua na defesa dos familiares da vítima, criticou a prorrogação e destacou que o sentimento da família de Genivaldo era de impunidade e insegurança. 

“Estamos temerosos, porque existe essa preocupação de que o tempo passe e o caso caia no esquecimento, e os autores não sejam responsabilizados devidamente. De fato esperávamos mais agilidade (nas investigações), até porque os indícios são claros, o crime praticado está claro, seja pelos vídeos e imagens que circulam na internet, seja pelos depoimentos das testemunhas que presenciaram, seja pelo laudo do IML (Instituto Médico Legal) e o laudo preliminar”, ressaltou a advogada. Os três policiais envolvidos foram afastados das funções pela PRF. A defesa da família da vítima cobrava a prisão dos agentes, mas o pedido foi negado pela Justiça Federal em Sergipe.

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima


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