Nos 30 anos do ECA

Defensor da redução da maioridade penal assume secretaria responsável pela Fundação Casa

O advogado Fernando José da Costa é o novo secretário de Justiça e Cidadania de São Paulo. Para Ariel de Castro Alves, “alguém que não acredita no ECA e nas medidas socioeducativas pode representar um retrocesso”

Governo de SP/ Divulgação
Governo de SP/ Divulgação
"Ele ter sempre pregado a redução da maioridade penal, em tese, mostra que ele não acredita no cumprimento do ECA e nem na eficácia das medidas socioeducativas", avalia especialista em Direitos Humanos

São Paulo – O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou nesta sexta-feira (2) um defensor da redução da maioridade penal para assumir o comando da secretaria de Justiça e Cidadania do Estado. O advogado criminalista Fernando José da Costa substituirá Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que pediu exoneração do cargo que ocupava desde 2018. 

Além do fato de que Fernando é também advogado particular de Doria, o que mais chama atenção na indicação é sua histórica e pública defesa pela redução para 16 anos da idade mínima para prisão de jovens e adolescentes em conflito com a lei. O especialista em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e conselheiro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro Alves, teme que o novo secretário da pasta que, entre outros órgãos, será responsável pela Fundação Casa, possa provocar retrocessos aos direitos destes jovens, sobretudo os direitos humanos.

Em 2015, Fernando, que é também professor universitário e mestre e doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), expôs em entrevista ao canal Record News seu apoio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171, de 1993. A medida, à época, tramitava na Câmara dos Deputados. A PEC abria a possibilidade de julgamento de adolescentes entre 16 e 18 anos pelo Código Penal, em vez de pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 

Histórico defensor

Naquela entrevista ao jornalista Heródoto Barbeiro, o criminalista dizia “não ter a menor dúvida de que o projeto deveria ir em frente”. Seu principal argumento era de que “seria insustentável” permanecer com o “entendimento de 1940”, de que o jovem de 16 anos não teria amadurecimento. “O menor, adolescente de 16 anos, sabe o que é certo e errado”, alegava. No ano passado, Fernando voltou a destacar a proposta na Folha de S. Paulo, repetindo que “não é de hoje que defendo a redução da maioridade penal”.

Nesta sexta, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o novo secretário disse que irá “cuidar da Fundação Casa com o objetivo de colaborar com a ressocialização desses menores”. E que “lutará contra o preconceito e defender as minorias”.

Para Ariel, no entanto, “ele ter sempre pregado a redução da maioridade penal, em tese, mostra que não acredita no cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente e nem na eficácia das medidas socioeducativas”. À RBA, o especialista destaca que Fernando “precisará demonstrar que de fato pretende investir na ressocialização”. “Ele precisa mostrar agora o contrário, de que de fato vai cumprir o ECA e vai de fato efetivar as medidas socioeducativas e aprimorar os trabalhos da Fundação Casa”. 

O que está em jogo

Um dos riscos, de acordo com o conselheiro do Condepe é que “ao assumir um secretário que defende e sempre defendeu a redução da maioria penal, ele torne a Fundação Casa cada vez mais parecida com o sistema prisional”, em oposição às medidas socioeducativas, de escolarização, profissionalização e ensino técnico. Em outras gestões, acrescenta Ariel, principalmente nos governos José Serra e Geraldo Alckmin, ambos do PSDB, era comum que agentes do sistema penitenciário e policiais militares assumissem a segurança e até a coordenação e direção de unidades do sistema socioeducativo

“Nós esperamos que isso não volte a acontecer, que se valorize os bons profissionais. Principalmente educadores, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, os funcionários de perfis mais técnicos. Esses que precisam ser valorizados. Porque são eles que têm condições de promover trabalhos realmente socioeducativos, de ressocialização e inclusão social do adolescente”, destaca o especialista em Direitos Humanos. 

BolsoDoria

O projeto de redução da maioridade penal, contudo, avançou para o Senado, mas na contramão de tendências mundiais que pedem o aumento da maioridade penal. É o caso, por exemplo, dos Estados Unidos, que historicamente era um símbolo para os defensores da redução. Até 2018, cinco estados haviam decidido que o julgamento como adulto aconteceria a partir dos 18 anos. Levantamento da Folha de S. Paulo também mostra que a idade penal, em 41 estados americanos, já era de 18 anos. Em Vermont, por exemplo, a partir de 2022, a maioridade passará a ser a partir dos 20 anos. 

“Se forem bem aplicadas, medidas socioeducativas são muito mais adequadas para a ressocialização e reeducação dos adolescentes. Elas servem de antídoto contra a violência e evitam a reincidência”, comenta Ariel. 

Em meio à pandemia, a Fundação Casa vem somando denúncias de violência e maus tratos contra adolescentes. Ainda, de acordo com o conselheiro do Condepe, familiares de jovens institucionalizados estão reclamando que, além da suspensão de visitas, as atividades escolares, esportivas, culturais e de lazer também foram canceladas. Em sua avaliação, a escolha por um defensor da redução da maioridade penal por Doria pode também estar associada ao interesse do governador “em capitalizar a pauta conservadora. E tentar ganhar  votos por meio dessas medidas ilusórias, oportunistas, demagógicas. Isso certamente faz parte da plataforma dele”, observa. O presidente Jair Bolsonaro também é um ferrenho defensor da tese.

Ariel conclui, contudo, que a redução da maioridade penal seria uma afronta à Constituição Federal e ao ECA, que completou 30 anos recentemente. “É uma cláusula pétrea que não pode ser modificada por emenda à Constituição”, finaliza o especialista. 


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