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Ato em São Paulo reúne 2 mil contra a Copa e termina sem confrontos

Manifestantes caminharam contra o torneio da Fifa, a violência policial e por melhorias no transporte. Ao menos 20 PMs não tinham identificação. Novo protesto está marcado para 27 de março

Mídia Ninja

Após repressão do último dia 22, coletivos e movimentos sociais de SP voltam às ruas: marcha durou quatro horas

São Paulo – Terminou sem confrontos o terceiro ato contra a Copa do Mundo realizado na noite de ontem (13) em São Paulo. Depois de reivindicar melhores serviços em saúde e educação, desta vez o protesto pediu melhorias no transporte público. Os manifestantes também exigiram o fim da tarifa e do corte de linhas de ônibus nos bairros da capital. Denunciaram a corrupção no Metrô e na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a violência policial.

A Polícia Militar mobilizou um efetivo de aproximadamente 1.700 homens, dos quais ao menos 20, segundo contagem da RBA, trabalharam com uniforme sem identificação. Desta vez, porém, a PM decidiu não agir preventivamente, como no protesto em 22 de fevereiro. Tampouco lançou mão do kettling para cercar e prender manifestantes antes de qualquer quebra da lei. Isso não quer dizer que a tática não estava entre as opções do comando. Prisões para averiguação também não seriam descartadas de antemão.

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“Se for necessário fazer ação preventiva para evitar que crimes maiores aconteçam, para evitar que aconteça uma violência maior, a gente vai tomar atitudes”, assegurou o tenente coronel Eduardo Almeida, comandante da operação, antes do início da passeata. “Atuaremos quando percebermos que há possibilidade de haver depredação e violência. Em quase todas as manifestações anteriores com presença de black blocs houve esse tipo de ocorrência. Estamos preparados para isso.”

Seja porque eram poucos ou porque os policiais eram muitos, os black blocs não entraram em ação. Apenas pequenos desentendimentos entre policiais e manifestantes foram registrados durante o protesto, sem maiores consequências. De acordo com a PM, cinco jovens foram detidos e liberados em seguida. Dois deles foram levados ao 14º Distrito Policial, em Pinheiros, e três ao 78º DP, nos Jardins. A vidraça de uma agência do Banco do Brasil foi quebrada. Um fotógrafo da agência Futura Press recebeu uma pancada de policiais.

Entre 2.000 e 2.500 pessoas participaram da manifestação, segundo membros da frente Se Não Tiver Direitos, Não Vai Ter Copa, que organiza os protestos. A coalizão é formada por aproxidamente 30 coletivos e movimentos sociais, como Fórum Popular da Saúde, Juntos, Rede Emancipa, Contra a Copa e Negação da Negação. Na marcha, também havia bandeiras do PSTU, do Sindicato dos Metroviários e da central sindical Conlutas. A Fanfarra do Movimento Autônomo Libertário (MAL) foi responsável pelo batuque.

“Toda disposição dos coletivos é que o ato seja sem violência, com sempre foi”, adiantava à imprensa Paulo Espina, membro do Fórum Popular da Saúde, depois de uma tentativa frustrada de diálogo com um oficial da PM ainda antes do protesto começar. O jovem pedia que os policiais respeitassem o direito de manifestação. “Estamos aqui lutando pelo transporte público de qualidade, contra essa política tarifária, contra a corrupção nas licitações. Exigimos outra postura da polícia. Não vamos sair das ruas.”

Uma nova manifestação está sendo convocada para dia 27 de março, com concentração na Praça do Ciclista, na esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação. Ontem (13), os manifestantes saíram às 19h15 do Largo da Batata, na zona oeste, e marcharam por duas horas pelas avenidas Faria Lima, Rebouças e Paulista. Oficialmente, o protesto parece haver sido encerrado no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), às 21h30.

Após aplausos e gritos de “amanhã vai ser maior”, a maioria dos manifestantes se dispersou por ali. Boa parte dos policiais se desmobilizaria logo depois. Porém, um pequeno grupo de aproximadamente 100 pessoas decidiu continuar até o final da Avenida Paulista, tomando em seguida as avenidas Vergueiro e Liberdade até chegar à Praça da Sé, no centro da capital, às 23h, completando quatro horas de caminhada. PMs acompanharam todo o percurso.

“O efetivo foi desproporcional, mas, dessa vez, apesar de o cordão policial estar muito junto dos manifestantes, acompanhando o tempo inteiro, não vi aquela intimidação que costuma ser comum”, avaliou Luiz Henrique Ferreira, membro dos Advogados Ativistas, que defende manifestantes presos nos protestos. “Hoje foi tudo tranquilo. Uma beleza, né? Quando a polícia não age, sempre termina tranquilo.”

Contudo, Ferreira lamentou a presença de policiais sem identificação. “Fui a uma reunião no comando regional oeste da polícia hoje à tarde, antes da manifestação, e o comandante garantiu que todos estariam identificados. E não foi o que ocorreu”, relata. “Fomos conversar com o chefe do pelotão que estava sem identificação, e ele falou que os uniformes eram novos e não deu tempo de fazer o nome dos policiais. Um absurdo.”

Um grupo de professores das universidades públicas paulistas compareceu ao protesto como resposta à repressão policial vista em 22 de fevereiro, quando 262 pessoas foram presas sem acusação, antes de qualquer crime haver sido cometido. Ao menos 19 membros da imprensa acabaram agredidos ou detidos, e advogados foram impedidos de trabalhar em defesa dos manifestantes, denunciando que teriam sido inclusive coagidos por membros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“A gente adere às denúncias dos gastos da Copa, mas hoje o mais importante é garantir o direito de manifestação política, que está sendo tolhido”, argumentou Henrique Soares Carneiro, professor de História da Universidade de São Paulo (USP), quem distribuía um manifesto contra as arbitrariedades do Estado. “Ano passado, houve um despertar da nova geração, que saiu às ruas para tentar ser protagonista. Esse impulso tem que ser mantido.”

Ao final do protesto, nas escadarias da Praça da Sé, um jovem tomou a palavra para dizer que, 30 anos depois, reafirmavam seus pedidos de liberdade voltando ao mesmo lugar em que os brasileiros haviam exigido eleições diretas. “Somos heróis”, bradou, para os não mais de 50 manifestantes que continuaram caminhando e cantando até então. “Um dia, a corrupção vai acabar e seremos um país de primeiro mundo.” Ao ouvi-lo, uma jornalista espanhola que cobria a manifestação cochichou: “Como se em países desenvolvidos os políticos não roubassem…”

Os gritos de vitória incomodaram um morador de rua que tinha sua cama arrumada nas portas da catedral. Visivelmente irritado, deixou de lado os cobertores que o protegiam da brisa que começava a esfriar, levantou-se e gritou: “Vocês vêm invadir a minha casa e atrapalhar a intimidade com minha esposa? Tem que pedir permissão primeiro.” E voltou para seu sono interrompido.