Causa indígena

Governo reafirma posição contra PEC 215, mas quer mudar processo de demarcações

Em meio a mobilização nacional, Casa Civil reitera que transferir ao Congresso decisão sobre terras indígenas é inconstitucional. Presidente da Câmara recua em tentativa de instalar comissão especial

Antonio Cruz/ABr

Lideranças indígenas estão em Brasília para defender Constituição, que completa 25 anos

São Paulo – A semana de Mobilização Nacional Indígena entra hoje (1º) em seu segundo dia, com manifestações em Brasília, e a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, resolveu reafirmar a contrariedade do governo federal em relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. O projeto pretende transferir ao Congresso a palavra final sobre demarcações de terras indígenas no país, prerrogativa que pertence ao Executivo há 25 anos, desde que foi promulgada a Constituição. A tramitação da PEC, que foi acelerada pelos parlamentares nos últimos meses, é a principal detonante dos protestos indígenas que se espalham pelo país até sábado (5).

“A posição do governo com relação à PEC 215, já externada às lideranças indígenas em mais de uma ocasião, é que esta proposta é inconstitucional. Somos contrários e temos a convicção de que o poder de demarcação de terras da União é do Poder Executivo”, afirmou a ministra ao Blog do Planalto, lembrando que a presidenta Dilma Rousseff recebeu lideranças indígenas no Palácio do Planalto em julho e se posicionou de forma contrária à PEC 215. “Na relação institucional de mediar conflitos entre fazendeiros e indígenas por demarcação de terras, temos nos reunido com lideranças de ambos os lados para resolver os conflitos, dialogando, conversando, para acertar os casos de disputas e evitar a judicialização.”

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A aposta de Gleisi Hoffmann pelo diálogo é controversa. As organizações políticas do movimento indígena brasileiro são contrárias à inclusão de outras entidades ou setores sociais no processo de demarcação de terras. Por isso, se opõem ao Projeto de Lei Complementar (PLC) 227, apresentado em 2012 por um dos líderes da bancada ruralista na Câmara, deputado Homero Pereira (PSD-MT). O texto pretende regulamentar o artigo 231 da Constituição, que dispõe sobre a demarcação de terras indígenas, determinando, entre outras questões, que o processo de reconhecimento dos territórios ancestrais deverá contar com a participação de vereadores, promotores, secretarias de Agricultura e sindicatos das localidades passíveis de demarcação. Atualmente, apenas Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério da Justiça e Presidência da República decidem sobre o reconhecimento de terras. Os indígenas deseja manter a fórmula. O governo, nem tanto.

“Ao propor a inclusão de outros órgãos, além da Funai, no processo de demarcação de terras indígenas, o governo busca tornar o processo mais transparente e minimizar disputas judiciais, com saídas para situações complexas e antecipando negociações e reconhecimento de direitos. A Funai continuará sendo o órgão coordenador e decisivo neste processo”, defende a ministra-chefe da Casa Civil, lançando mão de um argumento que desagrada sobremaneira às população tradicionais: o de que os índios já têm terras demais. Citando Gleisi, o Blog do Planalto afirma que atualmente existem cerca de 120 milhões de hectares demarcados no país, o que representa 13% do território nacional. Já a área plantada ocupa 7%, e as áreas urbanas e de infraestrutura respondem por 2% do território nacional. “O Estado de Direito é para todos os brasileiros, índios e não índios”, arremata a ministra.

A chefe da Casa Civil argumentou ainda que o governo tem demonstrado compromisso com os direitos indígenas. Contudo, Dilma Rousseff é a presidenta com a menor média de demarcação desde a redemocratização do país. Levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) mostra que apenas 11 territórios foram homologados desde 2010, quando teve início o terceiro governo do PT. É menos do que as áreas delimitadas nos dois anos da administração de Itamar Franco: 16 terras. O recordista em demarcações é Fernando Henrique Cardoso, que entre 1995 e 2002 homologou 145 áreas indígenas. Além disso, membros da base governista no Congresso são autores dos projetos de lei que mais incomodam os povos tradicionais brasileiros: as já citadas PEC 215 e PLC 227, e também a PEC 237, que pretende criar um novo artigo na Constituição que permita “a pesquisa, o cultivo e a produção agropecuária nas terras habitadas permanentemente e tradicionalmente ocupadas pelos índios”.

Iniciada ontem (30), a semana de Mobilização Nacional Indígena já conseguiu pelo menos um resultado. O presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), decidiu suspender a instalação da comissão especial que analisaria a PEC 215. A instalação estava prevista para esta semana. As recentes movimentações parlamentares para acelerar a tramitação da proposta, apresentada em 2000, é uma das principais razões dos protestos. Lideranças indígenas acreditam que, devido à forte influência da bancada ruralista no Congresso, transferir a decisão sobre demarcações ao Legislativo seria colocar uma pedra sobre a possibilidade de novas terras serem homologadas no país. De acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), há pelo menos 142 deputados (de um total de 513) e 18 senadores (de 81) alinhados aos interesses dos grandes latifundiários e produtores rurais.

Um dos pontos altos da Mobilização Nacional Indígena ocorre hoje, às 16h, em ato público em frente ao Congresso Nacional. Ao longo da semana, também há marchas marcadas em São Paulo, Belém e Rio Branco, além de cidades do interior do país. A mobilização foi convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) para marcar os 25 anos da Constituição, que serão completados no próximo sábado (5). Segundo o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, em entrevista à Agência Câmara, o objetivo é protestar contra “o ataque generalizado aos direitos territoriais dessas populações de parte do governo, da bancada ruralista no Congresso e do lobby de grandes empresas de mineração e energia”.

Um grupo de ativistas do Greenpeace e índios de diversas etnias começaram o dia de hoje com um protesto pacífico no mastro da Bandeira Nacional, na Praça dos Três Poderes. Seis ativistas da organização ambientalista escalaram o mastro e estenderam uma faixa com o rosto de um indígena, a 70 metros de altura, e outra, a 50 metros de altura, com a frase “Nossos Bosques Têm Mais Vida”. O mastro tem 100 metros de altura. “O Greenpeace está aqui para prestar solidariedade à luta dos indígenas pela garantia de seus direitos e pela garantia da terra, devido ao ataque que a bancada ruralista vem articulando na tentativa de diminuir os direitos conquistados pela população indígena na Constituição de 1988”, disse o coordenador da campanha Amazônia, do Greenpeace Brasil, Rômulo Batista.

Com informações da Agência Brasil.