Entrevista

Promotor admite multa ‘impagável’ contra metroviários, mas quer ‘lição’ sobre greve

Maurício Ribeiro Lopes diz que valor de R$ 354 milhões é 'insignificante' perto de 'transtornos provocados' por paralisação de junho

arquivo rba

Prioridades invertidas? Transtorno diário imposto à população também tem causas nas más condições de trabalho dos metroviários

São Paulo – Greves que não prejudiquem o cotidiano da cidade. Assim, o promotor de Habitação e Urbanismo do Ministério Público Estadual de São Paulo, Maurício Antonio Ribeiro Lopes, idealiza a mobilização ideal dos trabalhadores em busca de reajustes salariais ou melhorias nas condições de trabalho. “Toda e qualquer greve que tiver repercussão sobre a cidade, que desrespeitar decisão da Justiça do Trabalho, será objeto de ação judicial do Ministério Público”, anunciou Lopes, em entrevista à RBA.

Lopes ingressou com ação civil pública, em 10 de julho, pedindo indenização por danos morais à cidade de R$ 354 milhões contra o Sindicato dos Metroviários de São Paulo, em virtude da greve realizada entre os dias 5 e 9 de junho. Embora admita que as multas sejam impagáveis, considera válido “dar uma lição” no sindicato, como externou na entrevista, concedida em 17 de julho. Ele também está processando os rodoviários, cuja greve foi realizada nos dias 22 e 23 de maio, à revelia do sindicato da categoria. Nesse caso, exige ressarcimento de R$ 121 milhões.

O promotor acredita que “a sociedade não pode ficar refém de um sindicato” e defende a decisão do Metrô de demitir 42 trabalhadores sob acusação de atentarem contra o sistema de transporte e praticarem atos de depredação, mas se contradisse ao afirmar, inicialmente, que possuía provas dos atos de vandalismo e violência, e depois admitir ter apenas relatórios do próprio Metrô. A RBA demonstrou depois que os documentos são frágeis e contraditórios com as justificativas das demissões.

O juiz Carlos Aleksander Romano Batistic Goldman considerou que a Justiça estadual não tem competência para julgar a ação e encaminhou-a ao Tribunal Regional do Trabalho. Lopes apelou ao próprio magistrado, considerando que o processo deve ser julgado pela Justiça comum, mas a decisão foi mantida. Agora, o promotor busca amparo no colegiado da 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, composto pelos desembargadores José Luiz Mônaco da Silva, Moreira Viegas e Edson Luiz de Queiroz. O pedido deve ser julgado no próximo dia 14.

A ação faz parte de um grande “pacote antissindical” contra os metroviários, no qual estão incluídos a multa de R$ 900 mil que a Justiça do Trabalho aplicou ao sindicato da categoria por não manter 100% do efetivo em horários de pico e não voltar ao trabalho após a decisão que considerou a greve abusiva, os oito inquéritos da Polícia Civil que apuram supostos atos de depredação e violência durante a greve e a própria demissão dos 42 trabalhadores, número reduzido para 40 após a companhia ter admitido confusão no desligamento de dois deles.

O promotor se declara convencido da legitimidade da ação, afirmando que vai levá-la “até o fim, leve o tempo que levar”. Anuncia que está disposto a “negociar valores” com o sindicato, mas não abre mão de aplicar multas à entidade. Lopes costuma envolver-se em ações de grande impacto para a cidade. Foi ele quem primeiro questionou o reajuste do IPTU na capital paulista, em 2013. Exigiu a retirada dos táxis das faixas exclusivas de ônibus.

Ele também se posicionou contra a construção de um túnel para ligar a avenida Jornalista Roberto Marinho à rodovia dos Imigrantes e o projeto Nova Luz – que pretendia a privatização da região em nome da revitalização do espaço. E, atualmente, exige a abertura da lista municipal de quem aguarda uma moradia por programas habitacionais, sob alegação de que o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto pode ser favorecido na cidade.

Confira a entrevista completa.

Primeiramente, gostaríamos de entender o motivo pelo qual o senhor ingressou com a ação.

A sociedade não pode ficar refém de um sindicato que resolve, por sua conta e risco, de modo totalmente abusivo em relação aos direitos de mobilidade urbana, ultrapassar todo e qualquer limite ético. Intimidar passageiros, realizar atos de vandalismo nas estações, impedir o funcionamento de composições por quem pretende cumprir as obrigações. E causar um prejuízo absolutamente insuportável para a sociedade à custa de uma pauta indefinida e meramente política de reivindicação.

O senhor mencionou casos de vandalismo. Há indícios, provas?

Provas, provas… O Metrô documentou tudo isso. Individualizou condutas, inclusive para promover aquelas demissões. Está demonstrado isso.

O Ministério do Trabalho não teve acesso a isso. O senhor teve?

Tive, tive a documentação do Metrô. Ela, inclusive, instrui a minha ação.

E nós podemos ter acesso a ela?

Está na ação. A divulgação é digital e, para isso, é preciso ter a senha de acesso.

Isso seria muito importante porque até agora essas provas não foram apresentadas publicamente. O que são?

São imagens, relatórios, avaliações. Cópias dos boletins de ocorrência.

O boletim de ocorrência, por ser uma ação unilateral, qualquer pessoa pode fazer…

Sim, mas se a pessoa faz um boletim de ocorrência de algo que não é verdade, é crime. Veja só, se você alega que foi vítima de um roubo e vai a uma delegacia de polícia e registra a ocorrência do furto ou do roubo do seu veículo, se não for verdade, você fez uma comunicação falsa de crime. E aí você comete um crime.

Não me parece razoável, que a direção do Metrô vá fazer isso. Eu não posso partir dessa presunção. E não parti dela.

O senhor pode detalhar um pouco essas provas?

Eu tenho os relatórios que vieram do próprio Metrô. Que portanto são documentos. E que, como tal, se não forem verdadeiros, sujeitam à responsabilização quem os fornece ao Ministério Público. Esses documentos instruem a ação judicial.

Então, o senhor se baseou em documentos do Metrô?

Claro. Documentos fornecidos pelo Metrô.

O senhor chegou a ter acesso às imagens?

Não, basicamente, documentos em papel.

O senhor falou em pauta indefinida. Pelo menos, na nossa cobertura, estava colocado o reajuste, o vale-alimentação, o vale-refeição, os planos de carreira. O senhor discorda?

Eu não vou entrar na discussão daquilo que é típico da matéria trabalhista. O foco da minha ação são os prejuízos que advêm da mobilidade urbana na cidade. Existe uma lei federal sobre mobilidade urbana e a própria lei de greve, elas estabelecem obrigatoriedades a serviços que são essenciais.

Não vou discutir o “sem isso não tem greve”. Não é problema meu se “sem isso não tem greve”. Se a Justiça do Trabalho manda ter 100% de funcionamento é uma decisão judicial. Se se desrespeita a decisão judicial, se há desrespeito à lei, pouco se me dá se eu vou ter ou não a possibilidade ou não de fazer greve.

Tenho, em primeiro lugar, o interesse social indisponível, que é muito maior que o dos empregados do Metrô. Que é de toda a sociedade, de toda a comunidade de afetados, que são dois milhões de usuários por dia. Gente demais para sofrer com isso.

O senhor poderia nos explicar o cálculo para chegar ao valor da multa?

O cálculo é muito simples. E ele é muito insignificante em relação ao volume efetivo do prejuízo. Foi baseado no quê!? O Metrô me indica de modo comparativo o número de pessoas que seria transportado naquele período. A companhia tem controle diário de quantas pessoas ela transporta.

Na semana anterior àqueles dias, quantas pessoas foram transportadas? Com o Metrô funcionando precariamente naqueles dias, quantas pessoas foram transportadas? Então temos a diferença. Eu peguei esse número de pessoas, que deu algo entre sete milhões de pessoas e multipliquei por um trinta avos do salário mínimo. São sete milhões ao longo desse período.

Por que esse valor? Porque ele é o mínimo que uma pessoa ganha. O Metrô tem uma pesquisa de perfil de usuário que indica que o usuário de Metrô ganha, em média, três mil e tantos reais por mês. Está muito acima disso. Então eu nem usei um usuário médio, do perfil do Metrô. Eu usei o salário mínimo, que é a menor base possível de cálculo.

Tenho uma afetação que não é só dos usuários, toda a cidade foi afetada com o impacto no trânsito, com os ônibus mais cheios. Como fiz também em relação à greve dos motoristas de ônibus. Teve aqueles que deixaram de usar os coletivos. Mas também o impacto do Metrô mais cheio. Então, dobrei esse número. E aí deu os R$ 354 milhões. Isso é insignificante perto do prejuízo efetivo entre danos materiais e morais à cidade.

Mas isso não inviabilizaria o sindicato, além de ser provavelmente impagável?

É claro que é impagável. Mas eu quero que a sociedade saiba, em uma demonstração mínima, quanto custa isso. É um caráter pedagógico. Para dar uma lição.

Eu não tenho expectativa de que esse valor venha a ser pago. Não sei se 10% disso têm condições de ser pago pelo sindicato, mas acho importante a gente quantificar prejuízos nessas paralisações e mostrar para a sociedade os prejuízos que ela tem com isso.

Existe algum regulamento para o cálculo?

Como o que eu estou cobrando são danos morais, não. O dano moral você não quantifica. Isso é uma estimativa. O juiz pode ter outro número. Outro promotor teria outra forma de cálculo. Já ouvi que devia ser dez vezes isso. Não queria apresentar um número que fosse descompromissado de alguma lógica.

A iniciativa da ação foi do senhor?

Minha. E não é nova. Em 2012, estava com a ação pronta contra o sindicato, na greve daquele ano. E a entidade se dispôs a, junto com o Metrô, evitar a greve. Nós evitamos a do ano passado, por exemplo. Não propus 2012 por que nós havíamos conversado e obtido um compromisso para evitar a de 2013. Não entendi porque a conversa foi interrompida, de modo unilateral, pelo sindicato em 2014. Daí a ação.

O Metrô estava advertido que, se ele não colocasse todo o esforço de funcionamento naquilo que fosse possível, eu também iria acionar o Metrô, pelos mesmo danos morais. O diretor financeiro do Metrô mora no meu prédio. E ele saía às 3h da manhã para ir vender bilhete.

O senhor chegou também a informar o Metrô disso?

Sim, foi feita uma recomendação ao Metrô. Que ele colocasse todos os esforços possíveis para buscar alternativas de transporte caso o sindicato entrasse em greve. E você vai ver que o Metrô conseguiu transportar mais de um milhão de viagens.

E aquela proposta do sindicato de fazer catraca livre? Isso não traria nenhum transtorno à população e os metroviários até se dispuseram a cortar o ponto deles, mesmo indo trabalhar…

Não causa transtorno à população vírgula. Porque quando você tem um funcionamento sem bilhetagem, você tem o dinheiro público subsidiando a greve. Então a greve é feita com dinheiro público. Aí fica muito cômodo.

E o Metrô alega questões de segurança. Ele fala que, de uma certa forma, a bilhetagem cria um controle que é de segurança. Ela é um fator inibidor, vamos dizer assim, de superlotação. Então, a bilhetagem cumpre também um papel de segurança. Se não tem isso pode-se ter um risco à segurança.

A lei de greve diz que tanto os trabalhadores quanto os patrões são responsáveis pelo acordo para prestação do serviço essencial. Não caberia que a ação incluísse o Metrô?

Mas o Metrô prestou o serviço. Se ele não tivesse prestado, também seria réu na ação. Se o sindicato demonstrar que o Metrô podia ter feito mais…

Mas, e antes da greve, quanto à disposição para negociar, o senhor não está considerando isso?

Isso é com o Ministério Público do Trabalho. Meu foco são os prejuízos causados à mobilidade urbana na cidade. Não me compete julgar a legalidade ou ilegalidade da greve.

Poderia ser alvo de uma ação do MP, por exemplo, o fato de o Metrô estar sempre superlotado, com muitas falhas?

Mas nós temos investigações nesse sentido o tempo todo. Veja só. Existe um problema muito grave que é a interligação entre a linha quatro e a linha dois, entre Paulista e Consolação. Aquele túnel já teve incidentes. O Metrô esteve aqui, junho com a Via Quatro, dez dias atrás, atendendo requisição do MP de estudos e projeto para construção de um outro túnel para desafogar esse, por segurança. Tudo que diz respeito a segurança também diz respeito a preocupação nossa e rotineira com o Metrô.

Uma das coisas que o senhor aponta no processo é que não houve comunicação da greve à sociedade. No entanto, havia notícias circulando na imprensa desde o dia 27, quando se aprovou a greve. De que forma devia ter sido feita essa comunicação no seu entendimento?

Antes da comunicação não havia determinação judicial falando do percentual a ser mantido em funcionamento? Foi atendido? Então, desculpa. O que adianta informar que vai parar, se isso representa o descumprimento de uma ordem judicial do mesmo jeito?

Esse dinheiro, caso venha a ser paga a multa, para onde ele vai?

Fundo Estadual de Interesses Difusos. É um fundo alocado junto à secretaria de Justiça, do governo estadual, que é utilizado em projetos de reparação de danos. Por exemplo, quando ocorreu aquela tragédia em São Luís do Paraitinga, toda a verba da reconstrução saiu desse fundo.

Olha, se o sindicato quiser fazer um acordo, eu faço um acordo.

Que tipo de acordo?

De valores.

Da multa, o senhor não abre mão?

De jeito nenhum. Eu discuto valor. O mérito eu não discuto.

O presidente do sindicato deu declarações dizendo que a ação do senhor é política…

Política? Ora, eu não sou candidato a nada. O sindicato que ele preside está diretamente ligado a um candidato a presidente da República. Eu não sou do PSDB, não sou do PT, não sou do PMDB, não sou do PSB, não sou do PSTU. Ele é. Essa declaração não cabe na minha roupa.

Como seria uma greve de transporte público que não teria reparos?

Aquela que obedecesse a decisão judicial. Que ocorresse dentro dos limites que a Justiça do Trabalho colocasse. Não compete a mim colocar as condições. Toda e qualquer greve que tiver repercussão sobre a cidade, que desrespeitar decisão da Justiça do Trabalho, será objeto de ação judicial do Ministério Público.

No caso dos motoristas, que pararam em maio, não havia deflagração de greve, mas entrei com ação contra o sindicato assim mesmo. Porque eram todos movimentos ordenados, organizados a partir de uma dissidência do sindicato. Nesse caso, são R$ 131 milhões. E não havia nem a deflagração de greve.

Quando você para um ônibus, manda as pessoas descerem, pega a chave e joga fora, com as pessoas no meio do percurso… Isso foi de uma crueldade inominável. Uma coisa é você não ter ônibus para sair do bairro, mas você tira a pessoa do bairro, no meio do percurso manda ela descer e tira o serviço dela. Isso é perverso, sádico.

Existe possibilidade de a Justiça do Trabalho se dizer também incompetente para julgar essa ação?

Não. Se a justiça estadual mandou para lá, tem de decidir sobre isso. Tem de julgar procedente ou improcedente. Pode, no máximo, suscitar um conflito negativo de jurisdição. Aí o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai dizer quem é competente.

O senhor vai levar até o fim, então?

Até o fim, leve o tempo que levar.

O senhor vê algum problema caso essa ação inviabilize o sindicato? O senhor não teme que seja considerado ato antissindical, por exemplo, pelo Ministério do Trabalho?

Olha, já existe aqui no MP uma ação que está penhorando uma sede de férias do sindicato do professores (Apeoesp). Não é nosso papel buscar a inviabilização do sindicato. Mas é nosso papel defender a cidade.

Não vejo que possa ser considerado antissindical. Eu poderia ter entrado com um pedido de responsabilidade pessoal da direção do sindicato. O patrimônio pessoal da direção poderia ser também objeto de eventual penhora para garantir essa indenização. Sequer fiz isso, para não ser considerado perseguição.

Agora, eu também não acho justo considerar que o dano moral disso tudo possa ser de R$ 50 mil. Não seria proporcional ao tamanho do problema. Se o sindicato tivesse acatado a decisão judicial, nada disso estaria sendo feito.