Trabalho escravo

Executivo e entidades trabalham para que ‘lista suja’ seja retomada

Em reunião da Conatrae, ministros e entidades definiram estratégia de ação, que envolve audiência com presidente do STF e pedido de recurso pela AGU. Perfil conservador do Congresso também foi discutido

Wilson Dias/ Agência Brasil

Manoel Dias e Ideli Salvatti presidiram ontem reunião do Conatrae: empenho para combater o trabalho escravo

Brasília – Depois de mais de três horas de reunião, a primeira de 2015, a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) – vinculada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) – decidiu que a partir da próxima semana serão tomadas várias iniciativas no sentido de restabelecer a divulgação da lista dos empresários flagrados com trabalhadores vivendo em suas propriedades em situação análoga à de escravidão, a chamada “lista suja” do trabalho escravo.

A publicação da lista no portal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) foi suspensa por liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), no final de dezembro, a empresários do ramo da construção civil. Com a retomada dos trabalhos do Judiciário, segunda-feira (2), a questão passará a ser prioridade do governo e das entidades que atuam no setor, segundo disse a secretária de Direitos Humanos, Ideli Salvatti. Ideli informou na comissão que serão feitos esforços, por parte do Executivo, em duas frentes.

Na primeira delas, ela e o ministro do Trabalho, Manoel Dias, solicitaram audiência com o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski (não foi divulgada a data do encontro, que conforme a assessoria da SDH já foi agendado) para tratar do assunto e pedir a inclusão imediata da ação que questiona a constitucionalidade da lista na pauta de julgamentos do tribunal.

A liminar, concedida à Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), teve o objetivo de suspender a listagem até o julgamento, em definitivo, de uma ação impetrada pela entidade que pede para ser avaliada a constitucionalidade da lista suja. O argumento utilizado pela associação foi de que a mesma foi instituída por meio de decreto ministerial e não por uma lei e isso seria incorreto.

Vários magistrados se posicionaram a respeito afirmando que não há necessidade de uma lei para tal criação e que a portaria é, de fato, o instrumento mais acertado. No início do ano, a Procuradoria-Geral da República encaminhou parecer ao STF favorável à legalidade da lista por meio da portaria.

A outra ação do Executivo partirá do advogado-geral da União, Luís Adams. Segundo divulgaram os ministros Ideli e Dias, Adams já foi municiado por técnicos da SDH e do Ministério do Trabalho e está preparando um instrumento judicial a ser interposto ao STF pedindo a derrubada da liminar.

Para o ministro Manoel Dias, que hoje divulgou o balanço das fiscalizações realizadas em 2014 – e resultou em 248 delas, com o resgate de um total de 1.590 trabalhadores da situação análoga a de escravo, em todo país – o governo quer trabalhar para coibir cada vez mais a prática.

Amicus Curiae

Enquanto isso, entidades devem se manifestar junto ao STF na forma de amicus curiae (expressão que significa “amigo da Corte”). O pedido serve para que pessoas e entidades possam entrar em processo judicial no qual não são partes, mas cujo resultado pode influir em seus trabalhos e suas vidas e, por tal motivo, pedem para também serem ouvidos. O Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait), já apresentou convite neste sentido e deverá ser seguido por outros órgãos, conforme confirmou sua presidente, a auditora Rosa Maria Campos Jorge.

Rosa contou que durante ato público realizado durante a manhã, em frente ao STF, no qual os fiscais protestaram pela demora no julgamento dos acusados da chacina de fiscais trabalhistas em Unaí (MG), o assunto da lista também foi tratado com a presidente em exercício do STF, ministra Cármen Lúcia. Ela foi a magistrada que recebeu a relatoria da ação do Supremo e se comprometeu de encaminhar seu relatório-voto já no início dos trabalhos do tribunal.

O Conatrae, contou a representante do sindicato, discutiu ainda a questão da redução de auditores-fiscais do trabalho no país, o que tem sido observado ao longo dos últimos 20 anos. De acordo com Rosa Jorge, enquanto há pouco tempo haviam nove equipes de fiscalização, hoje só existem quatro – cada uma com uma média de nove auditores. “Queremos trabalhar no sentido de apelar ao poder público que o mais rápido possível providencie uma recomposição dos cargos de auditores. Caso isso não seja feito de imediato, a situação só vai piorar, uma vez que existem cerca de 500 auditores fiscais do trabalho próximos de se aposentar”, acentuou a presidente do Sinait.

PL da terceirização

Outro tema que está sendo discutido e será tratado com a máxima importância a partir da abertura do Congresso, também âmbito da comissão, está relacionado aos projetos legislativos que podem vir a prejudicar as ações do setor. Uma das grandes preocupações diz respeito ao Projeto de Lei (PL) 4.330, referente às atividades de terceirização, em tramitação na Câmara dos Deputados. Da forma como se encontra atualmente, o texto libera a terceirização para as atividades fim – o que tem sido combatido pelas centrais sindicais e demais representantes dos trabalhadores.

Na visão dos integrantes da Comissão, caso o PL seja aprovado da forma como está, passará a ser possível a terceirização no meio rural, e isto vai interferir diretamente no controle ao trabalho escravo, uma vez que vai legalizar os intermediários, os chamados “gatos”, que aliciam tais trabalhadores para os patrões. “Além disso, os empresários vão poder ficar livres em casos de denúncias, com a legalização dos gatos. É perigosíssimo este projeto e precisamos lutar no sentido de conscientizar os parlamentares e impedir que seja aprovado”, disse a dirigente.

A principal preocupação se dá, segundo ela, sobretudo, pelo aumento do número de representantes do empresariado e de grupos conservadores no Congresso na próxima legislatura. “Avaliamos que este vai ser um ano de muitas mobilizações, para evitar perdas nas conquistas já feitas e dar continuidade ao trabalho que permitiu, em 20 anos, que 50 mil trabalhadores fossem resgatados das condições em que viviam”, acentuou.