Projeto sobre partidos provoca novo round na briga entre poderes

Provocada pelo próprio Senado, liminar do STF que suspende votação da lei que cria restrições a novos partidos reacende discussão sobre judicialização da política

Senador Renan Calheiros qualificou como invasão a liminar do ministro Gilmar Mendes (Foto: Jonas Pereira/Agência Senado)

São Paulo – Apesar de ter sido definida por alguns parlamentares em Brasília como mais um “round” da disputa entre o Legislativo e o Judiciário que se arrasta desde o ano passado, a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo o trâmite no Senado do projeto de lei que cria restrições para a formação de novos partidos políticos recebeu hoje (25) apoio entre representantes dos dois poderes. Já a iniciativa, tomada pelo senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), de levar à questão ao STF mereceu críticas de juízes e deputados.

Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, afirmou que “o Supremo não judicializa a política, quem judicializa a política são os próprios políticos”. Calandra defende a liminar concedida por Gilmar Mendes: “Eu acho que a concessão da liminar está enquadrada dentro de uma reclamação feita pelo próprio Parlamento. Algum parlamentar foi bater à porta do Supremo dizendo que requisitos inerentes ao regimento do próprio Senado não foram observados, e daí pediu que fosse concedida uma liminar suspendendo o caminhar da votação e da discussão, para voltar atrás e corrigir aquilo que está errado” diz.

“Quem judicializa a política são os próprios políticos que batem à porta do STF e dizem: olha, eu sou parlamentar, tenho meus direitos estabelecidos na Constituição e no regimento interno da minha própria casa legislativa e estou sendo desrespeitado, meu direito está sendo violado. O STF concede a liminar não é para não discutir, não é para não fazer. É para fazer de acordo com a Constituição e o regimento interno da casa”, acrescenta Calandra.

Líder do PT na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-SP) segue o mesmo raciocínio: “Primeiro alguém recorreu ao Supremo. O Congresso fica falando que a judicialização é incorreta, mas alguém interpôs esse pedido de liminar, obrigando o Supremo a se posicionar”.

O deputado petista critica o senador Rollemberg e o PSB pelo envio do recurso ao STF: “É inaceitável, do ponto de vista do que é a política. Tudo o que se vota no Congresso se recorre à Suprema Corte. Essa judicialização não é boa para a democracia, muito menos para a política. Acho uma decisão errada, primeiro de quem encaminhou esse pedido, por parte do PSB. Segundo, vamos apressar, o ministro deu a liminar, respeitamos, mas nossa missão é elaborar as leis”, diz.

Já o presidente do Senado, Renan Calheiros, qualificou como “invasão” a liminar concedida por Mendes: “O papel do Legislativo é zelar pela suas competências. Da mesma forma que nós nunca influenciamos decisões do Judiciário, nós não aceitamos que o Judiciário influa nas decisões legislativas, consideramos isso uma invasão”, disse. Renan, segundo a Agência Senado, confirmou que a intenção é entrar “ainda hoje” com um agravo regimental, recurso judicial que pede o reexame de uma decisão monocrática pela composição completa da Corte: “O agravo será uma oportunidade de o STF fazer uma revisão sobre a decisão tomada”, disse o senador.

‘Infelizmente, o mensalão’

Ao analisar o acirramento da tensão entre Legislativo e Judiciário, Nelson Calandra chega a lamentar a Ação Penal 470, mas conhecida como processo do mensalão, e faz uma crítica ao estilo do presidente do STF, Joaquim Barbosa: “Infelizmente para nós, nos coube o julgamento da Ação Penal 470 e com isso, de algum modo, exercendo a sua atividade, o Poder Judiciário acaba desagradando a muita gente, até pelo modo às vezes contundente como o ministro Joaquim Barbosa coloca seus posicionamentos técnicos. Até mesmo o mais duro dos guerrilheiros que já houve na América Latina, Che Guevara, dizia que é preciso endurecer, porém com ternura. O modo como se diz as coisas às vezes causa mais danos do que a própria decisão”, avalia o presidente da AMB.

Essa postura beligerante do Supremo, diz Calandra, contribui para dificultar as relações entre Judiciário e Legislativo: “Há, de fato, uma distensão, e essa distensão ganha corpo na medida em que verbalizam certas posições muito duras em relação aos demais poderes do Estado”, diz.

‘Liminar inaceitável’

Doutor em Direito e mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ex-membro do Conselho Nacional do Ministério Público e autor dos livros “A Constituição como Simulacro” e “Judicialização da Política”, Luiz Moreira classifica como “inaceitável” a liminar sobre a tramitação do projeto que limita a destinação de verbas do fundo partidário e tempo de tevê a partidos recém-criados: “A liminar do Gilmar Mendes é um factóide dos ministros que parecem fazer vistas grossas à Constituição, que prevê o controle do Legislativo sobre atos do Supremo”, diz.

Moreira explica sua posição: “No artigo 52, inciso X, e no artigo 49, inciso XI, a Constituição Federal defere ao Legislativo o poder de tomar medidas quando seu poder for invadido pelos outros. O 52, 10 diz que quando o Supremo declarar inconstitucional uma lei, a decisão só vale quando o Senado disser que vale. A Constituição Federal não precisa de nada para vigorar. Se ela não está vigorando é por equívoco”, diz.

Gilmar critica PEC

Moreira diz considerar “correta” a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), apresentada pelo deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), que, entre outras coisas, determina que súmulas vinculantes propostas pelo STF só passarão a ter efeito vinculante após ratificação pelo Congresso Nacional: “A PEC é correta porque efetiva o previsto nesses dois artigos que citei. Estão querendo ocupar manchetes de jornal. Não existe impasse porque o Senado pode derrubar a liminar de Mendes. A última palavra do sistema constitucional brasileiro é da soberania popular. Os mecanismos que a Constituição já possui evitam os impasses”.

Pivô da polêmica, Gilmar Mendes afirmou que a PEC apresentada por Fonteles é inconstitucional: “Não há nenhuma dúvida, (a proposta) é inconstitucional do começo ao fim, de Deus ao último constituinte que assinou a Constituição. É evidente que é isso. Eles (Legislativo) rasgaram a Constituição. Se um dia essa emenda vier a ser aprovada, é melhor que se feche o Supremo Tribunal Federal”, disse o ministro do STF, segundo a Agência Brasil.

Colaborou Edu Maretti

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