Luta e legalização

Projeto de lei pretende regulamentar cultivo da Cannabis medicinal no Brasil

Deputado Paulo Teixeira (PT-SP) é autor do substitutivo ao PL 399/2015, que legaliza o cultivo para uso medicinal e industrial. Proposta tem como objetivo garantir acesso e regulamentar plantio seguro

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A Cannabis já tem compostos aprovados pelo FDA para tratar crianças com epilepsia grave

São Paulo – A legalização do cultivo da Cannabis para uso medicinal e industrial pode ser uma realidade no Brasil. É o que propõe o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) que, na semana passada, entregou ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) um substitutivo ao Projeto de Lei (PL) 399/2015, regulamentando o plantio por meio de licença a empresas e associações de pacientes que apresentarem demanda justificada e analisada por órgãos competentes, como a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

O objetivo do texto que legaliza o cultivo é tornar os medicamentos à base de Cannabis mais acessíveis à população. Desde 2015, uma normativa da Anvisa autoriza a importação do medicamento Sativez, fabricado pelo laboratório inglês GW Pharma, assim como a produção do Canabidiol pela farmacêutica brasileira Prati-Donaduzzi. A agência calcula que 7.800 brasileiros têm autorização para importar a Cannabis medicinal, já que hoje 95% dos produtos têm origem estrangeira. A importação, no entanto, eleva os preços finais.

Atualmente, por exemplo, os dois medicamentos custam entre R$ 2.000 e R$ 2.800. “Inacessíveis ao cidadão comum”, como destaca Teixeira em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, no Jornal Brasil Atual. Presidente da Comissão de Regulamentação do Uso Medicinal da Cannabis na Câmara, o deputado defende que o texto do PL pode ajudar um número muito maior de pacientes do que consta na lista da Anvisa. 

De acordo com ele, na agência estão listados apenas os que têm condições econômicas de custear o tratamento em dólar, o que deixa uma parcela dos brasileiros fora do acesso ao medicamento que pode melhorar a vida de muitas pessoas. “Queremos regulamentar um plantio seguro, que tenha todo o tipo de segurança, rastreado, para a produção pelas farmácias de manipulação e pelas associações, porque hoje são elas, as associações, que garantem o acesso a quem não tem dinheiro para os medicamentos”, explica Paulo Teixeira. 

Milagres da Cannabis

Desde 2013 levantando a bandeira da legalização, o deputado ressalta que essa é uma luta levantada por mães que precisam dos medicamentos à base de Cannabis para seus filhos. Para a construção do substitutivo ao PL, por exemplo, ele conta que durante as  13 audiências públicas realizadas no Legislativo foram ouvidos cientistas, pesquisadores, médicos, farmacêuticos, associações e as famílias de pessoas com doenças raras, muitas delas crianças que reportam de 50 a 100 convulsões diárias. 

Nas audiências, o que os parlamentares viram foram “os milagres da medicina que os medicamentos à base de Cannabis fazem”. “Vimos esse uso para as epilepsias refratárias, doenças raras, fibromialgia, dores crônicas, com a substituição de medicamentos muito fortes de efeitos colaterais devastadores. O uso medicinal é importante também para quem se trata de câncer e faz sessões de quimioterapia. As pessoas ficam com enjoos, náuseas e esse tratamento tem sido utilizado para esses efeitos colaterais”, aponta.

“Para os efeitos colaterais do antirretroviral, no tratamento da Aids, a Cannabis também é utilizada. E ela tem sido testada com bons resultados para quem tem enfermidades neurológicas, Parkison, Alzheimer, e esclerose múltipla, além de casos de tumores cerebrais que deixaram de evoluir. Tudo isso tem base científica no Brasil”, elenca Paulo Teixeira. “E é importante dizer, as famílias também se curam. Porque uma mãe com uma filha que tem convulsões permanentes, tem uma vida extremamente comprometida”, acrescenta. 

A luta das mães

Presidenta da Cultive Associação de Cannabis e Saúde, Cidinha Carvalho conhece de perto os efeitos perversos do proibicionismo no Brasil. Mãe de Clarian, uma jovem de 17 anos diagnosticada com a Síndrome de Dravet –  epilepsia severa, resistente ao tratamento e com risco de morte súbita – ela conta que “quase perdeu a filha várias vezes”, em entrevista ao Jornal Brasil Atual.  

“Minha filha convulsionava por mais de uma hora e meia e ela chegou a ter uma parada cardiorespiratória”, descreve. Em julho de 2013, Cidinha conheceu o caso de Charlotte Figi, uma criança estadunidense diagnosticada com a mesma síndrome de sua filha, mas que se travava com óleo de Cannabis, apresentando melhora dos sintomas.

“Quando vi, comecei a ler muitos artigos e procurar os autores, escrever para eles. De alguns eu tinha resposta, de outros não, e queria entender como funcionava, porque logo de cara, no desespero, pensei em buscar no tráfico mesmo. Era o desespero de uma mãe para tirar a filha do risco de morte súbita, e você vai em qualquer lugar”, relata. Com a luta de Cidinha e de outras mães, hoje Clarian faz uso do óleo que diminuiu em 80% as crises da filha. 

“Ela tem uma ou duas crises por mês e dura menos de um minuto. Melhorou o cognitivo em quatro meses tomando o óleo artesanal. Começou a transpirar, minha filha não tinha sudorese, era impossível. Ela vivia inchada, tinha febre e eram várias crises, pontua. “Não subia escada, não pulava, não corria e hoje pula corda, sobe e desce escada sozinha, está se alfabetizando, melhorou a fala, não tem mais apneia do sono. Foi uma melhora na qualidade de vida da minha filha e para a família toda”, garante a mãe. 

O papel das associações

Mas, com as restrições ao medicamento e o elevado preço final, Cidinha conta que essa ainda não é uma realidade de muitos pacientes e famílias. É por isso que desde o final de 2013 a Cultive foi criada, para ampliar o acesso à informação e aos benefícios teurapêuticos da Cannabis. De acordo com a presidenta, as associações “estão fazendo o papel que o Estado deveria fazer, fornecendo o óleo, ensinando a cultivar, ensinando boas práticas e a extração do óleo”. 

Em sua avaliação, o PL 399 é “positivo”, pois engloba as diferentes vozes da sociedade civil e a luta das mães. Mas, para ela, ainda há pontos a melhorar. Cidinha defende que haja uma flexibilização em relação ao tipo de associação que poderia cultivar. No projeto, o destaque é para o modelo da Abrace Esperança, que produz o medicamento para 3 mil pessoas hoje. 

De acordo com ela, há também pequenas associações que podem produzir, mas por não terem as condições de infraestrutura semelhantes à da Abrace, podem ficar de fora da legalização. A presidenta da Cultive observa que o PL não menciona o auto cultivo, considerado fundamental para que o paciente encontre a melhor resposta terapêutica, segundo ela. 

Forças conservadoras 

De acordo com Paulo Teixeira, o PL 399 coloca para as associações de pacientes o modelo de “Farmácias Vivas do Sistema Único de Saúde (SUS)”. “O que é o modelo mais flexível e existente no Brasil hoje”. Para o deputado, essa menção já é suficiente para acolher as associações de pequeno e médio porte. “Mas ainda dá tempo de apresentar ao relator essas demandas. Teremos audiência pública na terça-feira (1º)”, afirma. 

O deputado Luciano Ducci (PSB-PR) já adiantou, no entanto, que o ponto do cultivo individual não constará no projeto. Paulo Teixeira concorda com o relator, porque de acordo com ele, os conservadores já estão se articulando contra o PL. “Nessa correlação de forças, por exemplo, nós antes tínhamos deputados da base governista apoiando e nesta semana nos avisaram que o governo está se alinhando contra nós.” 

Segundo o deputado, a inclusão deste ponto pode aumentar a pressão contra o projeto e impedir a aprovação final. O objetivo agora é garantir a legalização do cultivo da Cannabis medicinal para salvar mais vidas, pontua. “Temos que tirar o preconceito da frente. Já percebi que nenhuma pessoa no Brasil sustenta o debate proibitivo”, avalia Paulo Teixeira. 

Confira a entrevista na íntegra 

Redação: Clara Assunção. Edição: Glauco Faria