São Paulo

Reabertura de Doria completa um mês: aumento de 155% nos casos de covid-19 e 92% nas mortes

Especialistas em saúde avaliam que critérios da abertura favorecem uma leitura otimista dos dados. Governo se fia em leitos e ignora letalidade em UTI

Secom/GovSP
Secom/GovSP
Apesar do tom de comemoração dado por Doria, dados mostram piora na evolução da pandemia

São Paulo – A reabertura do comércio implementada pelo governador paulista, João Doria (PSDB), completou um mês hoje (1º). Tratada como caso de sucesso pelo governo tucano, que pretende passar a capital paulista para a fase 3-amarela do Plano São Paulo, na próxima segunda-feira (6), a flexibilização da quarentena acumula retrocessos, com muitas regiões voltando a ter medidas de isolamento mais restritas. No início da abertura, três regiões estavam em restrição máxima. Hoje, são nove, com 306 cidades na fase 1-vermelha.

Além disso, em junho, primeiro mês da reabertura implementada pelo governo, o estado registrou aumento de 155% nos casos de covid-19 e de 92% nas mortes em decorrência da doença. Especialistas em saúde consideram que plano favorece uma leitura otimista dos dados, além de ignorar a subnotificação de casos e se pautar na oferta de leitos como principal critério de segurança à saúde.

“Houve realmente uma variação para baixo nos índices da capital. Mas os indicadores, apresentados da forma como o governo de São Paulo tem feito, forçam uma indicação de que esses números estão reduzindo. Entretanto, o processo de flexibilização, do jeito que está sendo feito, sem um conjunto de medidas protetivas em relação ao transporte coletivo, os cuidados em relação ao comércio, aos trabalhadores e aos clientes e, em particular, o fato de a gente não ter uma estabilização segura, consistente, com redução da taxa de transmissão, em toda a região metropolitana, me parece extremamente preocupante”, avaliou o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro.

Embora os indicadores apontem para uma redução no número de novos casos, novas mortes e novas internações na capital paulista, os dados são relativos apenas a uma semana. Diferente do prometido por Doria, que a evolução se daria após duas semanas de melhora nos índices. Inclusive, a capital paulista teve uma situação melhor que a atual na reavaliação do Plano São Paulo, em 8 de junho. Na semana seguinte, houve piora nos índices de casos e mortes. O que mais mudou foi a ocupação de UTI, que caiu de 78%, no dia 8, para 69,4%. A capital registrou aumento de 21,5% nos casos em uma semana.

Chioro afirma que a falta de testagem em massa não permite uma leitura precisa da situação, como o governo Doria tenta demonstrar. “Estão tentando ler nos números uma melhoria que ainda não se consolidou. É um cenário de insegurança imensa. Centrar a decisão só na disponibilidade, na não saturação do sistema de saúde e da oferta de leitos, é preocupante. É dizer assim, ‘a gente abre tudo, bota dez milhões de hospitais, deixa a vida correr e morre todo mundo que tiver que morrer’. Eu não vejo sentido. Por isso que a taxa de transmissão foi utilizada em todos os países e, para isso, precisa testar”, avaliou.

Idas e vindas

O processo de reabertura de Doria também foi marcado por mudança brusca no discurso, de estar “perdendo a batalha para o vírus”, nas palavras do presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, para estar tudo sob controle. Além disso, incorporou um discurso de que é possível conviver com a covid-19 e que o papel do governo estadual é garantir que haverá atendimento médico e leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para quem precisar, como se isso fosse uma clara garantia de sobrevivência em meio à pandemia. No entanto, em 30 dias, São Paulo passou de 7.667 mortes e 111.296 casos confirmados para 14.763 e 281.380, respectivamente.

“É importante ter mais leitos de UTI, não só pela pandemia, mas pela demanda de saúde. Mas para voltar à normalidade, teríamos que ter medicação comprovada como tratamento da covid-19 e vacina para prevenção. O parâmetro utilizado pelo governo Doria é incompleto. Precisamos, sim, de mais testes, inquéritos e estratégias de isolamento enquanto não temos isso. Estão liberando sem considerar que não tem nenhuma das duas melhores estratégias para enfrentar a pandemia e empurrando as pessoas para morrer”, avaliou Juliana Salles, infectologista e diretora do Sindicato dos Médicos de São Paulo.

O que Juliana afirma é que ter atendimento em UTI não é uma garantia efetiva de sobrevivência à covid-19. Estudo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), com 13.941 pacientes internados, mostra que a taxa de mortalidade da doença em UTI de hospitais públicos chega a 38,5%. Na rede privada, a taxa chega a 19,5%. Os dados foram colhidos entre 1º março e 15 de maio, período que a rede pública de muitos estados teve superlotação por conta do coronavírus. O governo paulista chegou a admitir uma mortalidade de 20% nas UTIs.

O governo paulista também parece desconsiderar a população que pertence a grupos de risco por doenças pré-existentes, ao priorizar a capacidade de atendimento das UTI nos critérios de reabertura do governo Doria. Pesquisa da Rede Nossa São Paulo, lançada em abril, mostra que 38% da população da capital paulista faz parte de algum grupo de risco, sendo 12% portadores de doença respiratória, 10% diabéticos, 4% têm problemas cardíacos e 2% problemas renais. Segundo dados do governo Doria, a letalidade da covid-19 chega a 34,5% pessoas com problemas cardíacos, a 35,2% em diabéticos, a 43,9% portadores de doenças respiratórias – sendo de 23,8% em quem tem asma – e a 48,2% em pessoas com doenças renais.

Critérios flexibilizados

Os critérios da reabertura do governo também foram flexibilizados. Até a primeira quinzena de maio, o Comitê de Contingência do Coronavírus de São Paulo sustentava que seria preciso uma redução do número de novos casos por 14 dias consecutivos, ocupação de UTIs inferior a 60% e adesão ao isolamento social superior a 55%. Depois, com o Plano São Paulo, foram criados outros critérios, com faixas de ocupação de UTI de 50% a 90%, número de leitos por 100 mil habitantes e a comparação entre a média de sete dias de novos casos, novas mortes e novas internações, em comparação com os sete dias anteriores.

O também ex-ministro da Saúde e deputado federal Alexandre Padilha (PT) ressalta que não se devia considerar somente as UTIs ocupadas por pacientes com covid-19. “É necessário avaliar o grau de ocupação dos leitos também pela síndrome respiratória aguda grave (SRAG). Que são casos gripais, que são internados, alguns deles, inclusive, em UTI, outros chegam a óbito. E são classificados como essa síndrome exatamente por não ter o teste de covid-19 realizado. É muito importante que esse número seja acompanhado. Em alguns países, o parâmetro é pelo menos 60% a 70% da ocupação hospitalar por esses quadros. Avaliar só por covid-19 em um país com baixa testagem, é um risco gravíssimo.”

Padilha também defende que sejam separadas as taxas de ocupação de UTI nas redes pública e privada, pelo risco de ter uma “tranquilidade aparente”. “Hoje, nós temos patamares menores de internação na rede privada, porque foi mais fácil para as pessoas de classe alta realizarem o distanciamento social. A população de renda média e renda baixa, que não usa a rede privada, ficou mais exposta a covid-19. Seja porque são trabalhadores de serviços essenciais, seja porque são pessoas que tiveram que sair de casa para obter renda, para garantir a vida. É fundamental que esse dado seja melhor analisado em relação a isso, porque a rede pública atende um maior número de pessoas”, explicou.

Para ele, o avanço da capital paulista para a fase 3-amarela do Plano São Paulo é muito arriscado. “Os tucanos em São Paulo adotaram um plano ioiô de abertura. Que mostra, de um lado, que eles resolveram se submeter a pressão donos de comércio, dos grandes empresários, e abandonaram o cuidar da saúde e a vida como prioridade, na sua estratégia de enfrentamento a covid-19. É um absurdo a decisão de abertura de bares, de restaurantes, de salões de beleza. Porque são ambientes fechados, de alta transmissão. As pessoas tiram a máscara para beber, para se alimentar, para conversar. Expõe a muito risco, não só a cidade de São Paulo, mas toda a região metropolitana”, concluiu.