Ditadura

Tribunal anula decisão de juiz que responsabilizou vítima pela prisão

Ministério Público afirmou que processo legal havia sido violado, além de “revitimizar” o trabalhador, preso e torturado no Dops em 1972

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São Paulo – O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), em São Paulo, anulou decisão de magistrado que, além de negar o pedido, havia responsabilizado a vítima por sua prisão durante a ditadura. Após decisão de primeira instância favorável à viúva do ex-metalúrgico Antonio Torini, a 6ª Turma do TRF havia negado reparação. Ao apresentar recurso, o Ministério Público Federal (MPF) apontou violação do processo legal e “revitimização” do trabalhador, preso e torturado no Dops de São Paulo.

Três anos atrás, o desembargador Luís Antonio Johonsom Di Salvo considerou que o metalúrgico é que desrespeitou a lei – mesmo se tratando de um período de exceção. Para o procurador regional da República Marlon Weichert, “o acórdão incorreu em infeliz consideração ao insistir na qualificação de Torini como um criminoso”.

“Investigações” do Dops

Para ele, que atua há anos pela chamada Justiça de Transição, não é admissível que o Judiciário ainda considere válidas investigações realizadas pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) – que incluíam sequestros e torturas, físicas e psíquicas. Marlon também desconsidera a alegação de que se aplicava a lei, porque a legislação daquele período era incompatível com o Estado democrático de direito. Mas essas questões nem chegaram a ser discutidas na nova decisão. Isso porque, diz o MPF, “as falhas processuais reconhecidas eram suficientes para a anulação”.

Funcionário da Volkswagen em São Bernardo, na região do ABC paulista, Torini foi preso em 1972 e levado ao Dops. Segundo relatou, permaneceu ali durante 49 dias, sendo continuamente torturado. Acusado de pertencer a uma “célula” do PCB e condenado com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), foi demitido. O MPF lembra que a LSN, recentemente extinta, era “decorrente de dois dos mais antidemocráticos atos normativos da história brasileira, o AI-5 e o AI-12”. O operário nunca mais conseguiu emprego. Morreu em 1998.

Direitos humanos

A viúva havia recorrido ao TRF3 para aumentar o valor da indenização, fixada em R$ 150 mil na primeira instância. A União também apelou para reformar a sentença. No tribunal, conforme lembra a Procuradoria, a Sexta Turma “reanalisou o processo integralmente, por meio do procedimento denominado “remessa necessária”, que determina a revisão de sentenças proferidas contra a Fazenda Pública em alguns casos”.

O MPF solicitou ingresso alegando que a reparação de violações de direitos humanos pela ditadura é assunto de interesse coletivo. Também apresentou embargos para pedir a anulação da decisão do colegiado, além de questionar outros pontos da decisão, “tais como o uso de informações oriundas de fontes não identificadas no processo e revitimização de quem foi preso e torturado pelo aparato repressivo da ditadura”. Teve o pedido acolhido. Assim, a decisão anterior foi anulada.

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