Foi golpe

MPF quer que a União tire o nome ’31 de Março’ de instalação militar em Juiz de Fora

Procuradores repudiam expressão “revolução democrática” usada pelos militares e afirmam que Exército busca se eximir de responsabilidades

Correio da Manhã/Arquivo Nacional
Correio da Manhã/Arquivo Nacional
Tropas saíram de Juiz de Fora em direção ao Rio para deflagrar o golpe, que completou 60 anos no dia 1º

São Paulo – O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para que a União seja condenada a alterar o nome da 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha, em Juiz de Fora (MG), hoje chamada de Brigada 31 de Março. Essa denominação faz referência à data em que tropas saíram da cidade mineira para deflagrar o golpe de 1964. Data evitada pelos militares, o golpe completou 60 anos no dia 1º.

“Os principais pedidos do MPF são os de revogação dos atos que disponham sobre a homenagem, bem como supressão de referida denominação de sítios eletrônicos e documentos oficiais, com a consequente remoção, das dependências do Exército, do monumento onde está inscrita a data, no prazo de até 30 dias”, informa a Procuradoria.

Exaltação ao golpe

Além disso, o MPF pede que a União deixe de usar a expressão “revolução democrática” ou equivalentes, que exaltem o golpe. Esses termos devem deixar de ser usados em sítios eletrônicos ou documentos oficiais.

O Ministério Público instaurou inquérito após o jornal Folha de S.Paulo publicar a informação de que, no interior da antiga sede da 4ª Região Militar, há um letreiro em homenagem ao 31 de março. Foi de Juiz de Fora que tropas lideradas pelo general Olympio Mourão Filho saíram, em direção ao Rio de Janeiro, para deflagrar o golpe. No próprio site da brigada, consta a referência à data, conforme denominação estabelecida pela Portaria 1.642, de 7 de novembro de 1974.

Marcha da Democracia

Na última segunda-feira (1º), a cidade mineira recebeu a Marcha da Democracia. Manifestantes fizeram o caminho inverso, a partir do Rio, para repudiar o golpe e homenagear vítimas da ditadura, incluindo o ex-presidente João Goulart. Ontem (4), também em Juiz de Fora, morreu o líder sindical Clodesmidt Riani, do CGT, dissolvido após o golpe.

“No último dia 31 de março, o Comando do Exército divulgou um comunicado em que externou o seu intuito de manter a reverência a 31 de março de 1964, evitando rotular o evento como golpe militar. O Exército disse no comunicado que ‘os acontecimentos de 31 de março de 1964 representam um fato histórico enquadrado em uma conjuntura de 60 anos atrás'”, lembra o MPF. Para a Procuradoria, o que aconteceu foi diferente. Assim, “as tropas do Exército precipitaram um golpe de Estado que, em afronta à Constituição de 1946, tomou o poder pela força, pondo fim ao Estado de Direito vigente”.

Crimes da ditadura

Dessa forma, o regime de exceção que surgiu em 1964 “assassinou, ocultou cadáveres, torturou, estuprou, sequestrou, silenciou, censurou, perseguiu, prendeu de forma arbitrária, massacrou povos indígenas, suprimiu direitos políticos e outros direitos fundamentais, fechou o Congresso Nacional, cassou parlamentares, manietou o Poder Judiciário, aposentou compulsoriamente ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e se manteve, assim, por mais de duas décadas no poder”.

É evidente que não houve “revolução democrática”, afirmam os procuradores da República Francisco de Assis Floriano e Calderano e Thiago Cunha de Almeida, autores da ação. Eles sustentam que manter a denominação é incompatível com a Constituição e o Estado de direito.

A sociedade brasileira tem o direito de conhecer a verdade e de construir a sua memória. Isto inclui, por óbvio, o esclarecimento sobre o caráter inconstitucional e criminoso do golpe de Estado ocorrido em 1964, diz ainda o MPF. “O apagamento da violência é repetição da violência”, justificam os procuradores.

Memória reescrita

Na ação proposta, o MPF cita decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos e recomendações da Comissão Nacional da Verdade, pela não repetição de crimes cometidos naquele período. Entre as recomendações, está justamente a proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe de 1964.

“A memória é um processo de (re)escrita contínua. A narrativa do Exército serve, portanto, a um propósito definido: o de construir uma memória coletiva que não apenas o exima de responsabilidades pelos crimes que cometeu como endosse aquelas atrocidades, criando uma cultura antidemocrática entre militares e civis, uma consciência coletiva habituada ao autoritarismo, que permita às Forças Armadas manterem-se como força política dentro do território nacional”, diz a ação.

Os procuradores pedem ainda que seja criado em até 180 dias um curso a ser ministrado aos militares da brigada, sobre o caráter “ilícito” do golpe e violações de direitos humanos. O curso seria elaborado pelos ministérios da Defesa, Educação, Direitos Humanos e Cidadania e da Igualdade Racial. No mesmo prazo, deve ser criado um centro de memória.


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