Crise no Rio

Intervenção federal, sugerida por Pezão, pode segurar PEC 55

Sugestão do governador do Rio soa como ameaça ao Planalto. Segundo a Constituição, intervenção impediria o trâmite da proposta de emenda com que Temer tenta engessar gestão de futuros governos

Fernando Frazão/arquivo abr

Pezão está irritado com a política de Temer e Meirelles

Rio de Janeiro – Sem conseguir avançar no diálogo com as autoridades federais e vendo o pacote de austeridade que propôs para tentar reequilibrar as finanças do estado ser bombardeado de todos os lados, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) admitiu hoje (11) solicitar oficialmente uma intervenção federal no Rio de Janeiro. Esta possibilidade foi citada durante uma conversa com jornalistas, e soa como ameaça indireta ao Palácio do Planalto, pois, constitucionalmente, a intervenção em um ente da federação impediria a continuidade do trâmite no Congresso Nacional da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que prevê congelamento dos gastos públicos por 20 anos, pilar do ajuste fiscal pretendido pelo governo de Michel Temer. Segundo o inciso 1º do Artigo 60 da Constituição Federal, a mesma “não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”.

Outra possibilidade levantada pelo governador é decretar mais uma vez estado de calamidade pública no Rio. Ele diz que tomará esta decisão se não resolver nos próximos dias os problemas de liquidez que o impedem de pagar integralmente os salários de outubro e parte do 13º salário aos servidores públicos.

Segundo assessores, Pezão está irritado com o governo federal. Isso porque, após passar dois dias em Brasília, onde procurou encontrar soluções para a crise fluminense em conversas com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e com a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, além do próprio Temer, foi surpreendido ontem à noite na volta ao Rio com a notícia do segundo bloqueio judicial – desta vez de R$ 140 milhões – feito esta semana nas contas do estado para honrar dívidas com a União. Ao todo, foram arrestados R$ 310 milhões no espaço de quatro dias, montante utilizado para quitar dívidas do governo do Rio.

Pezão teria se sentido enganado por não saber com antecipação do novo bloqueio, e disse que poderá ir novamente a Brasília no início da semana que vem: “Vou conversar com o presidente Temer para que ele me diga qual a melhor maneira de o Rio receber recursos. Não adianta uma verba extraordinária, pois o problema financeiro do Rio é estrutural”, disse, em referência aos R$ 2,9 bilhões prometidos – e, segundo o governo estadual, somente repassados de forma parcial – após o primeiro decreto de calamidade pública, baixado em junho pelo governador em exercício Francisco Dornelles (PP).

As resistências internas à aprovação do plano de austeridade aumentam as dificuldades políticas do governo Pezão. Com o prédio cercado por manifestantes que gritavam palavras de ordem contra o pacote, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), em decisão tomada na quarta-feira (9) e liderada pela bancada do PMDB, partido do governador, devolveu ao Palácio Guanabara o projeto de lei que determina a criação de alíquotas extras de imposto – que variam de 16% a 30% – para os servidores estaduais, medida que valeria a partir do ano que vem e, segundo o governo, representaria um aumento de arrecadação de R$ 6,8 bilhões anuais.

“Sabemos das dificuldades do governo, mas esse projeto de lei compromete demais a renda dos servidores”, resumiu o presidente da Alerj, deputado Jorge Picciani, que também é presidente do PMDB no Rio de Janeiro. Se na própria base está difícil consolidar apoios, na oposição, a mobilização contra o pacote já é intensa. Na terça-feira (8), o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) conseguiu junto ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio uma liminar que impede a tramitação do projeto que aumenta as alíquotas. O governo promete recorrer e reenviar o projeto à Alerj.

Oposição reage

Picciani aceitou os outros 21 projetos de lei que compõem o pacote enviado pelo governo à Alerj, mas vários deles já são questionados pelos deputados de oposição. A bancada do Psol protocolou ontem três Projetos de Decreto Legislativo (PDL) que visam a desmontar o pacote de Pezão. Um dos projetos tem o objetivo de suspender o fim do programa Aluguel Social, que hoje atende com valores mensais de até R$ 500 a 9.640 famílias que tiveram suas casas destruídas por enchentes, deslizamentos e outras catástrofes naturais. Ontem, após solicitação da Defensoria Pública, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 4,2 milhões nas contas do governo para garantir o pagamento dos benefícios de setembro relativos ao programa.

Outro projeto proposto pelo Psol suspende o fim do programa Restaurante Cidadão, gestor dos oito restaurantes populares que servem diariamente 14 mil cafés da manhã (a R$ 0,50) e 37,5 mil almoços (a R$ 2) para a população de baixa renda. O pacote do governo prevê que os restaurantes – três deles já fechados – sejam repassados à prefeitura, em uma ideia que agrada ao prefeito eleito, Marcelo Crivella (PRB). O terceiro PDL da bancada do Psol suspende as mudanças previstas para o Bilhete Único, que tem cinco milhões de usuários no estado e, segundo o pacote, só poderá ser utilizado até o limite de R$ 150 por mês.

MP e TJ contra

Também fazem pressão sobre Pezão as rejeições corporativas ao pacote. O procurador-geral de Justiça do Rio, Marfan Vieira, prometeu entregar na segunda-feira (14) à Comissão de Constituição e Justiça da Alerj um dossiê contra as seis medidas do pacote que, segundo ele, “afetam diretamente o Ministério Público”. Além de serem contra a cobrança de alíquotas extraordinárias, as entidades de classe do Judiciário protestam contra o fim ou diminuição de benefícios como triênios e abonos salariais e contra a decisão de passar a órgãos como o Tribunal de Justiça, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Ministério Público Estadual (MPE) a obrigação de utilizarem parte da receita de seus Fundos Especiais para cobrir o pagamento de salários dos próprios servidores.

Outro que já se manifestou publicamente contra as medidas de Pezão é o presidente do TJ, desembargador Luiz Fernando de Carvalho. Ele afirmou que algumas medidas propostas pelo governo dificilmente entrarão em vigor: “O Poder Judiciário não permitirá que a crise financeira do estado seja motivo para que a Constituição seja rasgada e sejam desrespeitados os princípios da separação e da autonomia financeira e orçamentária entre os poderes”, disse.

Nas ruas, além dos servidores do Judiciário, estão na linha de frente contra o pacote categorias como médicos, professores, policiais civis e militares, bombeiros e agentes penitenciários. Diversas ruas do centro do Rio foram fechadas hoje por cerca de dois mil servidores estaduais que fizeram uma passeata de protesto contra as medidas anunciadas por Pezão.