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Lula em Paris: reduzir a desigualdade exige mexer no coração da riqueza

Ex-presidente Lula foi convidado pelo economista Thomas Piketty para falar sobre a experiência brasileira que retirou milhões de pessoas da pobreza

Ricardo Stuckert
Ricardo Stuckert
Thomas Piketty disse que o encontro é a primeira de uma série de colaborações sobre o desafio de se reduzir a desigualdade no mundo

São Paulo – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou hoje (3), na Escola de Economia de Paris, sobre a experiência brasileira de combate à miséria. Lula foi convidado pelo economista Thomas Piketty, autor do livro O Capital no Século 21. Piketty coordena um laboratório de estudos sobre a desigualdade no mundo. O encontro, avisou o economista, deve ser o primeiro ato de uma importante colaboração sobre o desafio de se reduzir a desigualdade no mundo. “Foi muito interessante. Vamos tentar ir ao Brasil com nossa equipe para aprofundar esse debate”, disse Piketty.

Dados do extinto Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) mostram que a proporção de pobres no Brasil caiu de 23,4% em 2002, para 7% em 2014. Isso significa que 26,3 milhões de pessoas deixaram de viver abaixo da linha de pobreza. Em 12 anos, o número de pobres caiu de 40,5 milhões para 14,2 milhões.

“Quero agradecer a oportunidade de fazer o debate de uma coisa que me é muito cara”, disse o ex-presidente no encontro que reuniu, em Paris, pesquisadores da desigualdade de todo o mundo. “Nós temos que expor a desigualdade como um problema político, uma questão de dignidade humana. Não haverá diminuição da desigualdade se a gente não mexer no coração da riqueza”, avaliou.

Elite escravocrata

Durante os governos Lula e Dilma Rousseff – a ex-presidenta também integra a comitiva na França – foram retiradas 36 milhões de pessoas da miséria e 42 milhões alçadas à classe média.

Lula destacou o papel da elite brasileira nessa situação aviltante que voltou a reinar no Brasil após o golpe de 2016.  “É muito difícil compreender o Brasil se não levar em conta os 350 anos de escravidão. Somos uma sociedade escravagista, embora a escravidão formalmente tenha sido extinta. Ela existe na economia brasileira. Existe no patrimonialismo. A elite brasileira nunca efetivamente se deu conta da necessidade de elevar a qualidade de vida dos mais pobres”, expôs.

Programas sociais

O ex-presidente fez uma exposição dos programas sociais que foram a base dos governos petistas com objetivo de combater a pobreza e reduzir a desigualdade, como o Bolsa Família, o Luz Para Todos, o ProUni. E lembrou como essas medidas mesmo incentivando a economia, geraram incômodo em setores da elite brasileira.

“Fazer transferência de renda foi uma decisão contra tudo e contra todos. Contra os chamados especialistas. Quando tomamos a decisão de criar o Programa Fome Zero, muita gente no Brasil escrevia que era melhor investir em estradas, em infraestrutra. Meu argumento era: o povo não come cimento. O povo come feijão e arroz e é disso que ele está precisando agora.”

Sobre como reduzir a desigualdade que se agrava cada vez mais, Lula foi enfático. “Não existe explicação humanitária para um cidadão ter 100 bilhões de dólares na sua conta e 100 milhões de pessoas não terem o que comer. Não sei quanto tempo vou viver. Mas se eu puder quero ajudar a criar indignação com a concentração de renda no mundo.”

Lula na Europa

Na tarde desta terça-feira, Lula participou, ainda do Festival Lula Livre, no Teatro du Soleil, em Paris. O evento, com lotação esgotada há dias, foi promovido por uma série de entidades internacionais como os comitês Lula Livre.

Lula iniciou seus compromissos na França no domingo (1º), reunindo-se com políticos como deputado francês Eric Coquerel e o líder do grupo França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, que visitou Lula em Curitiba quando o ex-presidente estava preso na sede da Polícia Federal.

A agenda do ex-presidente seguirá por outros países europeus. Em visita a Genebra, no dia 6, Lula se encontrará com representantes do Conselho Mundial das Igrejas (CMI), que congrega mais de 340 igrejas em mais de 120 países. Na pauta, o ex-presidente deve voltar a falar da desigualdade social, tema central também do encontro com o Papa Francisco, no Vaticano. Ainda na Suíça, o ex-presidente participa de encontro com representantes de sindicatos globais.

Já em Berlim, na Alemanha, o petista se reunirá com lideranças políticas e com representantes do movimento sindical alemão. No dia 9, participa de encontro em defesa da democracia no Brasil, em ato público com representantes dos comitês internacionais Lula Livre.