Mobilização

Povos indígenas nas ruas e até na ONU para somar forças contra o marco temporal

Marco temporal, que prejudica a titulação de terras indígenas, passa por votação no STF. Povos indígenas e até a ONU se manifestam contra

Joédson Alves/ABr
Joédson Alves/ABr
ONU: "Povos Indígenas são guardiões do meio ambiente e da biodiversidade, e não apenas para suas comunidades, mas para toda a humanidade"

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a julgar hoje (30) a tese do marco temporal. A medida, se aprovada, dificultará a titulação de terras de povos originários no país. Defendida por ruralistas, a matéria é alvo de protestos e críticas de indígenas e ambientalistas. Hoje, movimentos populares estão reunidos em Brasília em defesa destes povos, para pressionar os ministros do STF. Além disso, a Organização das Nações Unidas (ONU) também se pronunciou hoje contrária à matéria.

Até o momento, dois ministros já se posicionaram contrários, Alexandre de Moraes e Edson Fachin. Apenas o bolsonarista Kássio Nunes Marques foi favorável, como esperado. Após pedido de vistas de André Mendonça, ele retomou hoje com seu parecer. Indicado por Jair Bolsonaro (PL) para o cargo, o “terrivelmente evangélico” Mendonça deve seguir a vontade ruralista. Na sequência, vota o mais novo ministro, Cristiano Zanin. Sua posição é uma incógnita.

Membros do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também tentam articular contra o marco temporal, a favor dos povos indígenas. Ontem, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, participou de uma reunião com Zanin sobre o tema. A postura do magistrado surpreendeu muitos nas últimas semanas, com votos conservadores em temas relevantes, como o contrário à descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, contra a equiparação da injúria a pessoas LGBTQIA+ à racial, e favorável a dar mais poderes às Guardas Civis Metropolitanas (GCMs).

Posição das Nações Unidas

Desde as primeiras horas de hoje, o líder indígena Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), esteve com membros da ONU em Genebra, na Suíça. “Sabemos que esse julgamento é fundamental para nós, povos indígenas. Mas também é para todos, pois trata-se de um julgamento climático. A Apib está extremamente mobilizada no Brasil e no mundo, fazendo mobilizações para garantir o direito dos povos originários”, disse.

Então, a ONU divulgou uma nota técnica sobre o caso, de acordo com as expectativas dos povos originários. “Os Povos Indígenas são guardiões do meio ambiente e da biodiversidade, e não apenas para suas comunidades, mas para toda a humanidade. Em um momento de emergência climática e de altos índices de desmatamento, o debate sobre a tese do Marco Temporal torna-se de interesse global e urgente. É preciso apoiar aqueles que mantêm a floresta em pé e se entendem como parte da natureza”, afirma as Nações Unidas.

O marco temporal

Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Se aprovada, a tese pode provocar conflitos pela terra e até mesmo tirar indígenas de seus territórios históricos em benefício de ruralistas, madeireiros, garimpeiros, entre outros. A tese surgiu em 2009, em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, quando esse critério foi usado.

Então, além das articulações políticas nos bastidores, a população está em peso nas ruas de Brasília desde a manhã. Indígenas de todo o país somam forças com quilombolas e movimentos sociais. “Estamos aqui produzindo. A Terra produz, dá água, fruta, ar. Não queremos a morte dela. Sem a Terra, teremos nossa morte. Mas vamos viver e lutar contra isso. Não ao marco temporal. Vamos lutar pela vida”, disse Alessandra Korap, liderança Mundukuru, presente em Brasília.