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Zanin vota em defesa dos indígenas, contra o marco temporal

Ministro desempata julgamento, que agora tem três votos contra a tese defendida por ruralistas e que prejudica os povos tradicionais. Apenas os ministros indicados por Bolsonaro votaram a favor

Lula Marques/Agência Brasil
Lula Marques/Agência Brasil
"Não se pode validar a tese de marco temporal, o que representaria ignorar populações que não pudessem comprovar suas terras e, consequentemente, a Constituição"

São Paulo – O magistrado Cristiano Zanin, mais novo membro do Supremo Tribunal Federal (STF), votou em oposição à tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas na tarde desta quinta-feira (31). A teoria defendida por ruralistas determina que grupos indígenas somente têm o direito de pleitear territórios que estavam sob sua ocupação até a promulgação da Constituição, em outubro de 1988. Zanin desempatou a disputa que, agora, conta com três votos contrários e dois favoráveis.

Apenas os ministros indicados por Jair Bolsonaro (PL), Kássio Nunes Marques e André Mendonça, foram favoráveis ao marco temporal. A justificativa deles encontra eco na bancada ruralista do Parlamento, que defende “segurança jurídica” às relações que envolvem terras indígenas. Contudo, de fato, o que a ideia faz é dificultar a titulação de territórios tradicionais. Zanin concordou com o relator, ministro Edson Fachin, de que a proteção constitucional aos indígenas e suas terras não tem relação com marco temporal.

Voto de Zanin

“Não se pode validar a tese de marco temporal, o que representaria ignorar populações que não pudessem comprovar suas terras e, consequentemente, a Constituição. Muitos foram forçados a deslocamentos involuntários, insistentes esbulhos, conflitos e ameaças”, disse Zanin. “Nessa esteira, sem definir qualquer marco temporal, a Constituição optou por reputar como nulos atos que tenham por objeto a ocupação, domínio e posse de terras indígenas”, completou.

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Zanin prosseguiu com a dura defesa dos indígenas: “O sistema constitucional reconheceu o direito originário à posse das terras tradicionalmente ocupadas, além de conferir exaustiva proteção normativa (…). Consideramos dever do Estado promover a célere demarcação. Os instrumentos devem tramitar de forma prioritária. Diante das inúmeras demarcações pendentes, há que se primar pela prioridade aos processos em curso. Portanto, acompanho o relator Fachin quanto à racionalidade de seu voto. A escolha do constituinte foi no sentido em que a proteção das terras tradicionalmente ocupadas independe da existência de marco temporal. “

O magistrado completou ao lembrar que a história brasileira tem enraizado o roubo de terras indígenas. “Muitos foram forçados a deslocamentos involuntários, insistentes esbulhos, conflitos e ameaças. Não apenas nas áreas de habitação permanente dos indígenas, como também àquelas destinadas à realização de atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários para aqueles povos, para sua reprodução física e cultural.”

Prossegue o julgamento

O próximo a votar, ainda hoje, será Luís Roberto Barroso. Contudo, é provável que ele não encerre seu parecer nesta mesma sessão. Antes disso, na abertura do dia, concluiu o voto André Mendonça. Em uma longa dissertação, o bolsonarista “terrívelmente evangélico” evocou séculos de sofrimento e exploração dos povos indígenas para tentar emplacar a ideia de que o marco seria positivo a esses povos.

“Diabólico o voto dele. No sentido de que ele defende o pior do voto do Nunes Marques, o marco temporal, e o pior do voto do Alexandre de Moraes, que é a indenização prévia por terra nua e a possibilidade de permuta de uma terra indígena por outras terras”, como afirmou Cleber Buzatto, ex-secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ao portal GGN.

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