Patrimônio incompatível

Movimentação bancária milionária de Mauro Cid mostra ‘razão de seu silêncio na CPMI’

A análise do Coaf concluiu que o patrimônio do tenente-coronel, ex-’faz-tudo’ de Bolsonaro, é incompatível. O professor e pesquisador do bolsonarismo João Cezar de Castro Rocha também diz ser muito grave um futuro de Mauro Cid na política, como preveem militares

Alan Santos / PR/Divulgação
Alan Santos / PR/Divulgação
“Pela primeira vez podemos ter a certeza de que não se trata de lealdade política ou ideológica ao ex-presidente Jair Bolsonaro, se trata de auto defesa”, destaca Rocha

São Paulo – O relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), segundo o qual a movimentação bancária do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, não é compatível com seu patrimônio, “demonstra a razão principal de seu silêncio” na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro. É o que avalia o professor de Literatura Comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) João Cezar de Castro Rocha, em entrevista à edição desta sexta-feira (28) do ICL Notícias, transmitido pela TVT e a Rádio Brasil Atual.

Cid está preso desde o dia 3 de maio, quando começou a ser oficialmente investigado pela Polícia Federal por participar de esquema de supostas fraudes no cartão de vacinação. Ele é também alvo de investigação em oito inquéritos, incluindo o que apura sua possível participação para estimular os atos golpistas e a invasão dos prédios dos Três Poderes em Brasília.

No dia 11 de julho, o ex-“faz-tudo” de Bolsonaro foi convocado a comparecer na CPMI do 8 de janeiro, mas permaneceu em silêncio durante toda a oitiva, se recusando a responder o próprio nome e idade. O tenente-coronel se calou por pelo menos 76 vezes durante o depoimento.

O dado foi contabilizado pelo Ministério Público Federal (MPF) em pedido para arquivar uma ação protocolada pela CPMI por abuso do direito ao silêncio. Nesta quinta (27), o nome de Cid voltou ao noticiário com a análise do Coaf, mostrando que ele movimentou R$ 3,2 milhões de junho do ano passado a janeiro de 2023. O valor é incompatível com sua renda, patrimônio ou “capacidade financeira”, diz o relatório.

Exército e o bolsonarismo

Para depositar R$ 1,8 milhão em 8 meses, Cid precisaria receber mensalmente R$ 225 mil. Bem mais do que sua remuneração mensal de R$ 26.239,00. “Pela primeira vez podemos ter a certeza de que não se trata de lealdade política ou ideológica ao ex-presidente Jair Bolsonaro, se trata de auto defesa”, destaca Rocha.

“Em outras palavras, durante o governo Bolsonaro, a presença de militares foi superior à presença dos militares durante a ditadura. E, em muitos casos, houve generais como (Augusto) Heleno, Braga Netto, que receberam verdadeiras fortunas por acúmulos de vantagens e benefícios. Na verdade, a estratégia do ex-presidente era cooptar as Forças Armadas, especialmente o Exército, através da concessão de vantagens indevidas”, completa o professor.

Nesse sentido, Rocha acredita que o Exército seguirá apoiando o tenente-coronel porque também está envolvido nas “armações realizadas pelo governo Bolsonaro”. “A nossa opção como sociedade é dizer para as Forças Armadas que basta”, sugere.

Futuro político?

Nos bastidores, militares de alta patente avaliam que a carreira no Exército de Mauro Cid foi “maculada”. No entanto, eles também preveem um futuro na política para o ex-ajudante de ordens bolsonarista, conforme reportou o portal Metrópoles. O grupo avalia que ele seria facilmente eleito, caso consiga escapar da Lei da Ficha Limpa. O que é muito grave, nas palavras do professor da UERJ.

Autor do recém-lançado livro Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político (Editora Caminhos), Rocha diz que uma eventual candidatura do bolsonarista estabeleceria de vez “o modelo de negócio da extrema direita”.

“De predação absoluta do meio ambiente, de uberização do mercado de trabalho, de uma precarização da vida e de uma apropriação de recursos públicos. Eu sempre digo que Bolsonaro não é um político, é a franquia Bolsonaro”, diz o professor. Para ele, “a radicalização política de um militar no Exército deveria levar à expulsão sumária (e) ele não pode continuar sendo ficha limpa”.

Assista à entrevista: