Lucas 12:2

Ação contra esquema de joias se inspira na Bíblia: ‘Nada há encoberto que não venha a ser revelado’

Relatos em Brasília dão conta de que há perplexidade entre aliados de Jair Bolsonaro e desconforto nas Forças Armadas. Pai de Mauro Cid seria encarregado de vender as joias nos EUA

Alan Santos/PR e Roberto Oliveira/Alesp
Alan Santos/PR e Roberto Oliveira/Alesp
Bolsonaro tinha como ajudante de ordens Mauro Cid, filho do general que negociava as joias ganhas pelo ex-chefe de governo

São Paulo – A operação deflagrada nesta sexta-feira (11) pela Polícia Federal, que alcança o entorno mais próximo de Jair Bolsonaro (PL), é batizada como Lucas 12:2. Essa escolha do nome pelos investigadores é mais significativa do que parece. A referência é a um versículo de livro do Novo Testamento que indica a enorme abrangência da ofensiva: “Nada há encoberto que não venha a ser revelado, e oculto que não venha ser conhecido”.

Os relatos em Brasília dão conta de que há perplexidade entre aliados de Bolsonaro e extremo desconforto nas Forças Armadas, já que a operação atinge um general de quatro estrelas, Mauro César Lourena Cid, considerado respeitável pela Força, e que é pai de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente, Mauro Cid.

Lourena Cid seria encarregado de negociar as joias e relógios. E o dinheiro dessas vendas era depositado em conta do general na Flórida (EUA), segundo a PF. Foi para esse estado norte-americano que Bolsonaro viajou em dezembro e onde ficou até março deste ano. Durante o governo de Jair, o militar ocupou cargo no escritório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

De acordo com relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o pai de Mauro Cid teria movimentado quase R$ 4 milhões em suas contas bancárias em apenas um ano.

O Exército foi avisado pela PF na quinta-feira (10) de que haveria uma operação de busca e apreensão contra militares em Brasília, mas não se sabia quais seriam os alvos. Além dos já citados e de Mauro Cid, que está preso, o tenente Osmar Crivelatti – também ajudante de ordens – foi alvo da operação.

Esquema vendia patrimônio público

A investigação da PF – que bateu às portas da Vila Militar onde mora Lourena Cid – mostra que havia um esquema de venda de bens presenteados ao governo brasileiro em missões oficiais, que por isso pertenciam ao patrimônio público.

No entanto, esses objetos eram desviados e vários deles estavam no avião presidencial que levou Bolsonaro aos Estados Unidos no dia 30 de dezembro do ano passado, dois dias antes de terminar seu mandato.

Isso explica o porquê da pressa, quase desespero, de auxiliares do ex-presidente para liberar as joias de R$ 16,5 milhões apreendidas pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos. Aquele estojo também era para ter ido aos EUA para venda, mas não foi liberado pelas autoridades fazendárias.

“Como se vê, as investigações apontam que as esculturas foram evadidas do Brasil para os Estados Unidos da América, em uma mala transportada no avião presidencial, no dia 30/12/2022”, diz o material da Polícia Federal, revelado pelo g1 e pelo jornalista Valdo Cruz, da Globo News.

“Organização criminosa”

O advogado Frederick Wassef, íntimo da família Bolsonaro, também está entre os envolvidos na, segundo a PF, organização criminosa. “Os valores obtidos dessas vendas (das joias) foram convertidos em dinheiro em espécie e ingressaram no patrimônio pessoal dos investigados, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores”, diz o inquérito.

Numa operação para recuperar e entregar o Rolex ganho por Bolsonaro ao Tribunal de Contas da União (TCU) – o que comprova que os envolvidos sabiam da ilegalidade do esquema – Wassef recomprou o relógio, presente de autoridades sauditas em 2019, que já havia sido vendido nos Estados Unidos.