PGR

‘Mensalão’ é capítulo à parte na biografia de Roberto Gurgel

Procurador se diz frustrado por não participar do final do julgamento da AP 470, que agradou parte da imprensa, mas que, segundo análise de especialistas, contém erros e desprezou provas

STF/Arquivo

Recursos movidos por Henrique Pizzolato podem afetar o processo relatado por Joaquim Barbosa

Brasília – O parecer do atual procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso do “mensalão” é um capítulo à parte na gestão de Gurgel, que deixa o cargo nesta quinta-feira (15), após concluir mandato de quatro anos na PGR. O procurador sai da função quando serão apreciados os recursos dos embargos de declaração e embargos infringentes apresentados pelos advogados dos réus, peças jurídicas sobre as quais se manifestou contrário e deu declarações de que não deveriam ser aceitas pelo Supremo.

Recentemente, ao comentar o assunto, Gurgel disse que se sentia frustrado por não poder participar do julgamento até o fim e que é favorável à prisão dos réus. Por outro lado, são conhecidas as críticas do mundo jurídico e acadêmico sobre a prevalência das denúncias e evidências sobre a existência de provas a muitas das acusações que compuseram a peça relatada pelo ministro Joaquim Barbosa.

Uma delas, a incriminação feita ao ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato – um dos casos que os advogados de defesa pretendem mudar com a apreciação dos embargos, a partir desta semana. Pizzolato foi acusado de ter sido o criador do esquema de desvio de dinheiro da DNA Propaganda para o PT quando era Diretor de Marketing do Banco do Brasil, mas as avaliações feitas no mundo jurídico são de que houve distorção entre as informações do parecer e as provas colhidas junto ao banco.

Teriam sido desprezadas, pela acusação, comprovações de que o contrato entre a Visanet e a DNA não envolvia dinheiro público, uma vez que o BB seria apenas um de seus acionistas. E que, ainda assim, os serviços teriam sido efetivamente prestados.

Falta de nexo

Também é intrigante, para os que olham de fora a passagem de Gurgel pela PGR, a forma como lida com políticos e partidos – sem mostrar o nexo que outros procuradores-gerais aparentavam ter em relação às suas preferências e contatos pessoais. Essa sua característica, tanto é elogiada, principalmente por advogados de parlamentares e ex-governadores, como também vista como oportunista.

Um exemplo: quando foi reconduzido ao cargo pela presidenta Dilma Rousseff, em 2011, existia perspectiva positiva por parte de integrantes do governo e do PT em relação ao seu parecer sobre o caso do mensalão, o que não se comprovou e irritou parlamentares e ministro. Já em relação a muitos deputados e senadores, sejam oposição ou base do governo, Gurgel age como se não tivesse uma linha de pensamento firmada e aparenta ser condescendente, por exemplo, quando atrasa a emissão de pareceres. “Ele é muito sugestionado pela opinião pública e pelas críticas”, avaliou um crítico ao trabalho do procurador.

Para uma determinada ala do MP, a conduta de Gurgel é digna de elogios. De acordo com o procurador regional da República da 2ª Região, que abrange os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, Níveo de Freitas, o PGR teve uma atuação destacada perante o STF na Ação Penal 470. “Ele agiu em defesa da democracia e da sociedade brasileira”, colocou.

Na última semana, a bola da vez passou a ser o acolhimento de denúncia contra a governadora Roseana Sarney, com envio de pedido ao STF para cassação da governadora por suposto abuso de poder econômico e de autoridade durante as eleições de 2010. Informações no Senado são de que, por trás da postura de Gurgel, está o parecer dado recentemente, isentando o envolvimento do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), em processo que o incriminava durante problemas observados enquanto Cunha exerceu cargos no governo do Rio de Janeiro.

Como, juntando o caso de Cunha, foram muitas as vezes em que, de certa forma, ele contribuiu com políticos do PMDB, a aceleração do pedido relacionado a Roseana nos seus últimos dias à frente da PGR foi entendida como uma maneira de passar recado, de que sua ligação com peemedebistas não passaria de especulações. Seu último ato foi o encaminhamento ao STF de pedido de abertura de inquérito para investigar o deputado federal Gabriel Chalita (PMDB-SP), suspeito de ter recebido propina quando era secretário de Educação de São Paulo.

Mais união

Gurgel conclui suas atividades pedindo por mais união entre os membros do MP. Ele reiterou aos procuradores na última semana que deixem divergências de lado, para evitar a divisão interna, trabalhar pela correção dos rumos do MP e garantir a autonomia da categoria.

“Devemos de uma vez por todas superar nossas divergências, equacioná-las da melhor forma possível, mas acima de tudo valorizar os pontos de convergência”, enfatizou o procurador-geral. Diante de tantas posturas diferentes, cerca-se de expectativas sobre qual deverá ser seu último ato antes de sair de cena.